São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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OUTRO ESTADO


Governabilidade ou governança tornaram-se expressões cada vez mais frequentes nos últimos anos. Não deixa de ser um paradoxo. Afinal, elas denotam problemas políticos e institucionais que, em tese, seriam ou secundários ou superáveis de modo natural pela globalização, pela abertura dos mercados e pela desestatização.
No entanto, o consenso em favor da globalização perdeu vigor e consistência também porque ganhou força a percepção de graves distorções políticas e institucionais criadas ou acentuadas pela agenda liberal.
Talvez nunca se alcance um novo consenso, ao menos nada comparável ao chamado "consenso de Washington" dos anos 80.
Ainda assim, é positivo que estejam voltando a merecer atenção temas como a reforma do Estado, a qualidade do gasto público, o viés concentrador de renda do sistema tributário, a emergência de novas organizações sociais e o desenho de políticas públicas que criem direitos e ampliem a noção de cidadania.
Em vez de limitar-se, como ocorria até pouco tempo, a apenas criticar e desmontar modelos ultrapassados, lideranças da sociedade civil, empresários, políticos e burocratas começam a dar mais atenção aos desafios de recriar espaços públicos.
Essa é outra reforma do Estado, cujas tarefas são menos óbvias e menos consensuais que as inauguradas pelas políticas de Reagan ou Thatcher. Nem por isso são menos urgentes.
Da produção acadêmica dos novos Prêmios Nobel em economia às novas preocupações que ganham espaço em organismos multilaterais, o que se percebe é a urgência de medidas em favor da distribuição de renda, de modalidades de regulação da atividade econômica e de estímulos à democratização do conhecimento.
O desenvolvimento sem políticas públicas é hoje impensável. A economia e as empresas ficam ingovernáveis, tragadas de modo brutal pela instabilidade dos mercados financeiros que têm o foco restrito ao curtíssimo prazo. O Estado, sem uma evolução em seus modelos de gestão, fica cego, surdo e perde o sentido.
A partir de amanhã esses temas começam a ser examinados no 2� Fórum Global, em Brasília, cuja primeira edição ocorreu no ano passado, nos EUA. É uma iniciativa que pode colocar a questão da reforma do Estado sobre bases positivas e construtivas, em vez da ênfase nos cortes de gastos lineares, sujeitos apenas a critérios macroeconômicos, quantitativos, definidos em pacotes de ajuste fiscal e financeiro de curto prazo.
É promissor que o evento tenha como anfitrião o Ministério do Orçamento e Gestão, uma instância do Executivo que poderia ter um papel importante no desenho de políticas de desenvolvimento no Brasil.
Mas nos últimos anos esse ministério (e outros voltados a questões estruturais e à qualidade de vida) sujeitou-se ao horizonte estreito do corte de gastos, dos pacotes fiscais e da privatização a qualquer custo.
A governabilidade depende da mobilização para construir uma sociedade mais justa, mais confiante em um horizonte de longo prazo. Os esforços nessa direção ainda são insuficientes. É preciso ampliar o debate para que as novas políticas reflitam os interesses da sociedade e propiciem uma distribuição de renda mais intensa e mais rápida.
É urgente que o governo recupere a disposição para um diálogo político que conduza a uma nova reforma do Estado, sem a qual até a estabilidade de preços, que foi duramente conquistada, será um fundamento insuficiente da governabilidade.


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