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O corredor da Esplanada
JOSÉ SARNEY
O argumento principal para a mudança da capital para Brasília era a atmosfera irrespirável do Rio de Janeiro,
centro do caldeirão em que ferviam
pressões de toda ordem, que vulneravam o poder e imobilizavam decisões.
O argumento histórico do centro geográfico do país, da marcha para o interior do Brasil esquecido do Planalto,
cedia lugar à evidência de que era impossível governar do Rio. Juntava-se o
mau humor com o tráfego (sem tráfico), agitações de rua e uma indefesa
localização dos edifícios-símbolo do
poder, leia-se Catete, Laranjeiras etc.
Sussurrava-se, como motivo oculto,
livrar-se o governo da Vila Militar, tão
presente na história do país. "A Vila
vai descer", temor dos presidentes.
A meu ver, havia outro motivo bem
mais pessoal e circunstancial que deu
a Juscelino a energia com que marchou para a mudança: a necessidade
de fuga. Fustigado por Carlos Lacerda
e nossa UDN, por grupos que vinham
da República do Galeão, deu uma de
d. João 6�: fugir para o Brasil. Era hora
de fugir para Goiás e, assim, sair do
caldeirão das ameaças institucionais.
Pregava-se um regime de exceção por
dois anos. Surgiam as revoltas de Jacareacanga e Aragarças e a UNE ao lado
do Catete.
Juscelino mudou-se. Talvez, se tivesse ficado no Rio, haveria o perigo de
deposição, renúncia ou suicídio, rotina histórica.
Mas os problemas emigraram da
costa para o centro. Anchieta falava de
uma marcha em que os índios correram. Ele pediu: "Parem! Vocês deixaram a alma para trás. Parem, vamos
esperar que ela chegue." Brasília foi
assim. Andou depressa; e a alma das
pressões chegou e transformou a cidade num centro ideal para que elas se
exerçam. O que existia no Rio veio em
dobro.
Basta ter um apoio logístico e a sedução de um passeio, uma causa (que
necessariamente não precisa ser boa)
e todos os caminhos convergem para
um corredor: a Esplanada dos Ministérios, que desemboca na praça dos
Três Poderes, o altar dos deuses.
Os manifestantes voltam para casa
com a sensação do dever cumprido e a
felicidade de ter visto e desafiado o
monstro: o Poder.
O Brasil nos últimos 15 anos tem
exercitado e talvez esgotado toda a sua
capacidade de confrontação. Vivemos
numa panela de pressão com enfrentamentos sucessivos e cotidianos. Não
se vislumbra um espaço ao entendimento. Esgarça-se a disposição para
dialogar e perpassa um pessimismo
geral.
Fizemos a República sem povo e,
hoje, achamos que podemos fazer povo sem a república, política sem políticos, o futuro sem o passado. Tudo é
ruptura, é confronto, é divergência, é
luta, é desintegração. A casa está muito dividida, mas não é hora de esticar a
corda.
Existe grande insatisfação mas nenhum apoio do povo a qualquer golpe.
Esse slogan de "fora, renúncia e impeachment" é primário e populista.
É preciso o Brasil ter um espaço para
restaurar a paz e a convivência. Sair
dos passos vazios do corredor da Esplanada e buscar o bom senso.
José Sarney escreve nesta coluna às sextas-feiras.
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