São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O jogo mudou

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Manifestações públicas têm um quê de partida de futebol: olha-se o resultado conforme a paixão de cada qual. Se meu time perdeu, vou dizer, quase sempre, que a culpa foi do juiz que não deu aquele pênalti ou não anulou o gol irregular do inimigo.
Suspeito que vai ser assim com a marcha de ontem. O governo se dirá vitorioso porque, pelas contas finais por ele feitas, havia 40 mil e não 100 mil manifestantes. A oposição dirá o contrário.
Feita essa ressalva essencial, fica difícil, desta vez, desconhecer que, talvez pela primeira vez no período FHC, um fato político relevante foi criado pela oposição. Nem importa quantos manifestantes de fato havia na Esplanada dos Ministérios.
Importa, primeiro, a desmontagem da absurda alegação inicial do governo (depois revista) de que a marcha tinha um germe golpista. "Tudo foi feito nos termos da lei", atesta um observador em tese imparcial, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), embora aliado do governo.
Importa, depois, que mesmo aliados do governo admitem que a mensagem da marcha não é apenas o grito de oposicionistas que, por convicção ou dever de ofício, são contra o governo.
"Quando a oposição é construtiva, o governo não tem por que não ouvir o que foi dito sobre saúde, educação, desemprego", diz, por exemplo, Inocêncio Oliveira (PFL-PE), líder do principal partido da base governista, ao menos em número de deputados.
Reforça Temer: "Embora o movimento tenha sido organizado pela oposição, sem a participação de entidades da sociedade civil como a OAB e a ABI, é inegável que ele encontra eco em boa parte da população".
O governo pode não atender a ponderação de Inocêncio e pode desconsiderar a avaliação de Temer. Mas não pode desconhecer que houve uma mudança no cenário político: até aqui, a oposição estava concentrada nas próprias fileiras governistas. Ontem, a oposição-oposição deu sinal de vida.


Texto Anterior: Editorial: DÍVIDA PÚBLICA NA CIRANDA

Próximo Texto: Caracas - Eliane Cantanhêde: Asilo? Onde?
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.