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O jogo mudou
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - Manifestações públicas
têm um quê de partida de futebol:
olha-se o resultado conforme a paixão
de cada qual. Se meu time perdeu, vou
dizer, quase sempre, que a culpa foi do
juiz que não deu aquele pênalti ou
não anulou o gol irregular do inimigo.
Suspeito que vai ser assim com a
marcha de ontem. O governo se dirá
vitorioso porque, pelas contas finais
por ele feitas, havia 40 mil e não 100
mil manifestantes. A oposição dirá o
contrário.
Feita essa ressalva essencial, fica difícil, desta vez, desconhecer que, talvez
pela primeira vez no período FHC, um
fato político relevante foi criado pela
oposição. Nem importa quantos manifestantes de fato havia na Esplanada dos Ministérios.
Importa, primeiro, a desmontagem
da absurda alegação inicial do governo (depois revista) de que a marcha tinha um germe golpista. "Tudo foi feito
nos termos da lei", atesta um observador em tese imparcial, o presidente da
Câmara, Michel Temer (PMDB-SP),
embora aliado do governo.
Importa, depois, que mesmo aliados
do governo admitem que a mensagem
da marcha não é apenas o grito de
oposicionistas que, por convicção ou
dever de ofício, são contra o governo.
"Quando a oposição é construtiva, o
governo não tem por que não ouvir o
que foi dito sobre saúde, educação, desemprego", diz, por exemplo, Inocêncio Oliveira (PFL-PE), líder do principal partido da base governista, ao menos em número de deputados.
Reforça Temer: "Embora o movimento tenha sido organizado pela
oposição, sem a participação de entidades da sociedade civil como a OAB e
a ABI, é inegável que ele encontra eco
em boa parte da população".
O governo pode não atender a ponderação de Inocêncio e pode desconsiderar a avaliação de Temer. Mas não
pode desconhecer que houve uma mudança no cenário político: até aqui, a
oposição estava concentrada nas próprias fileiras governistas. Ontem, a
oposição-oposição deu sinal de vida.
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