São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Brasil, Itália e ONU

GIANFRANCO FINI

Itália e Brasil são unidos por inúmeros vínculos sociais, econômicos, culturais e políticos que fazem da amizade entre nossos países algo especial, como confirma o pleno sucesso da recente visita à Itália do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois países, no entanto, divergiram recentemente a respeito de um ponto de importância não secundária, como é a questão da futura composição do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).


Temos confiança no valor de uma reforma que não privilegie um grupo limitado de países, que não seja elitista


São bem conhecidos os termos dessa divergência, que, nos últimos meses, viu serem contrapostas duas posições: de um lado a aspiração do Brasil, da Alemanha, do Japão e da Índia a um assento permanente no Conselho de Segurança (o denominado G4); do outro, as propostas alternativas da Itália e de um grupo de outros países que, como a Itália, aderiram ao movimento "Uniting for Consensus", favoráveis ao aumento do número dos assentos não-permanentes determinados em base não-regional.
Na verdade, a Itália teria preferido evitar a ocorrência dessa divergência. Teríamos preferido poder discutir desde o começo, com espírito construtivo, junto aos países amigos, visando o objetivo comum de encontrar soluções capazes de reunir em torno de si o mais amplo consenso, em benefício de uma comunidade internacional cuja harmonia constitui um valor essencial e precioso que deve ser preservado.
Outros, porém, preferiram um caminho diferente, deixando o contraste virar uma briga sem exclusão de golpes, cujas repercussões se refletiram sobre o vértice da ONU, há pouco reunido em Nova York (EUA).
O desenvolvimento do ocorrido e, mais ainda, seu epílogo, que levou à absoluta frustração diante da incapacidade de cada uma das hipóteses em pauta para recolher consensos suficientes, deveria culminar em uma reflexão. Acredito que dessa experiência poderemos extrair indicações instrutivas e saudáveis para o futuro.
Itália e Brasil conhecem bem a natureza complexa dos desafios que a comunidade internacional está enfrentando. Ambos conhecemos e tencionamos predispor medidas eficazes contra as multiformes ameaças à paz e à segurança internacional que assombram o começo deste terceiro milênio.
Ameaças que se manifestam não apenas com o semblante letal do terrorismo e da proliferação das armas nucleares e bacteriológicas mas também por tragédias globais como a pobreza de inteiras regiões, a degradação do meio ambiente e as grandes pandemias, fenômenos que o presidente Lula chamou, justamente, de meios de destruição em massa iguais aos outros.
Tais desafios multiformes alcançam toda a comunidade internacional e exigem uma resposta coordenada e coerente, envolvendo todos os países que a integram e fazendo com que todos sejam partícipes e responsáveis. Exigem uma reação concreta, corajosa e determinada das Nações Unidas, indispensável fonte de legitimação e única instância de coordenação, para tentar resolver esses problemas desde a origem. Exigem uma reação rápida, pois a urgência e a gravidade das ameaças iminentes são tamanhas que não admitem incertezas ou hesitação. Exigem uma unidade de intentos por parte da comunidade internacional, unidade essa que propostas "divisórias" no tocante à reforma das instituições da ONU colocam seriamente em risco.
Apoiando-se sobre essas bases, pode ser enfrentado também o nó da reforma das instituições, inclusive a do Conselho de Segurança. Sem, porém, nunca perder de vista o princípio norteador da preservação da concórdia.
Itália e Brasil têm a possibilidade de trabalhar juntos em busca de soluções consensuais que fortaleçam de maneira sólida e duradoura a coesão da comunidade internacional.
Temos confiança no valor de uma reforma que não privilegie um grupo limitado de países, que não crie ulteriores e artificiosas divisões internacionais, isto é, que não seja elitista, mas que amplie a participação efetiva dos Estados na gestão mais democrática de um mundo cada vez mais complexo e interdependente. Mais do que uma possibilidade, trata-se de uma oportunidade histórica e de um imperativo político: seria realmente uma pena se não nos mostrássemos à altura.

Gianfranco Fini, 53, é vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores da Itália.


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