São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Referendo inútil

RIO DE JANEIRO - Na crônica de ontem, declarei que não votaria no plebiscito de hoje. É uma consulta escapista bolada pelo governo, além de hipócrita e sobretudo inútil. As alternativas, proibir ou não o comércio de armas, não resolverão o problema da violência que se alçou à "pole position" de nossas misérias: concentração de renda, juros escorchantes, corrupção em vários níveis da vida pública, desemprego etc.
Comecemos pelo "sim", cavalo-de-batalha residual da esquerda. Há crimes comuns, provocados por tensões domésticas, que não precisam de armas de fogo. A mãe de Hamlet, ajudada pelo amante, matou o marido enquanto ele dormia, pingando veneno no ouvido do pai de Hamlet. Com um punhal, Macbeth foi o "assassino do sono". Otelo matou Desdêmona, em algumas encenações, ele usa o travesseiro, em outras, as próprias mãos. César foi morto a punhaladas. Uma jovem paulista, recentemente, com a ajuda do namorado, matou a pauladas os pais que dormiam. Cláudia Lessin Rodrigues, aqui no Rio, foi assassinada depois que a obrigaram a tomar uma overdose.
O pessoal do "não" acredita que possuindo uma arma poderá enfrentar o bandido que continuará dispondo de um arsenal maior e mais letal. De nada adiantará ter a arma no armário ou no carro. A escalada da violência não é causada pelas armas, mas pelos violentos que, com ou sem arma, continuarão violentos. Repito um argumento que dei há dias: proibindo-se o uso dos termômetros, as febres não acabarão. O termômetro não acaba com a febre, apenas a indica.
Se fosse obrigado a votar neste referendo que me parece até imbecil, anularia o meu voto, seria uma forma de não votar. Para acabar com a violência, a obrigação do Estado é investir organizadamente na segurança. Para diminuir os crimes avulsos, provocados por rixas domésticas, ciúmes, desentendimentos de trânsito, a educação e a consciência da cidadania seriam mais eficazes.


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