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ELIANE CANTANHÊDE
Tiro no escuro
BRASÍLIA - Quando eu era criança, um amiguinho que morava em frente, filho único de pais mais velhos,
viajou e nunca mais voltou. Morreu
com um tiro na cabeça, brincando
com o revólver do tio.
Já adolescente, viajando com minha família, nosso carro foi atingido
por um ônibus que vinha na direção
contrária, em excesso de velocidade, e
abriu demais a curva. Meu pai pegou
um revólver no porta-luvas e partiu
para o motorista. Não atirou, mas
poderia. E o Zé Cantanhêde era um
ótimo sujeito. Da paz, do bem, encantador. Jamais o imaginara com
uma arma, muito menos por causa
de um acidente.
Adulta, tive um assalto a mão armada. Aliás, um dos meus muitos assaltos, roubos, furtos e até um seqüestro relâmpago, em diferentes partes
do mundo. Nunca reagi. E continuo
contra armas, pitbull, rotweiller,
pau-de-arara. E espancar crianças.
Proibir o comércio de armas não
vai, ou iria, acabar com a violência.
Mas pode defender as pessoas de bem
delas mesmas e de suas armas.
Crianças não morreriam de forma
tão banal, bons cidadãos não matariam em brigas de trânsito, pais não
perderiam seus filhos tão facilmente
em guerras de torcidas nem em demonstração de armas em escolas, como na semana passada.
E as armas raramente protegem
inocentes de bandidos. O ladrão entra com um revólver, você corre para
pegar o seu em cima do armário (longe das crianças, lembra?). Adivinha
quem é mais frio, mais rápido, mais
experiente? Adivinha quem morre?
Aliás, desarmado, você pode viver.
Mas, armado, vai morrer. E sua arma ainda vai matar os outros.
Enfim, armas matam, ferem, destroem as vidas de quem vai e de
quem fica. E são um círculo vicioso:
quanto mais os cidadãos comuns se
armam, mais os bandidos se armam
e mais os cidadãos comuns acham
que precisam de armar. Guerra civil.
É preciso fazer o caminho inverso.
E a inépcia do Estado? Bem, essa é
outra história. Ou outra guerra.
@ - elianec@uol.com.br
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