São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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FMI x Banco Mundial



Viva o FMI e viva seu remédio amargo. Aliás, não saia de casa sem ele

RUDIGER DORNBUSCH

A escolha do novo diretor administrativo do FMI atrairá toda a atenção nas próximas semanas e nos próximos meses, mas são as políticas que virão a seguir que importam. Há uma discussão acirrada sobre quem teve razão nos últimos anos: o FMI, com seus tratamentos de choque, ou o Banco Mundial, com suas curas alternativas.
Essa discussão corre solta desde o colapso do México, em 1995. Serão as políticas do FMI duras demais, perversas até, chegando ao ponto de empurrar as economias para a falência? Podem ser consideradas culpadas pelas desastrosas consequências sociais das crises financeiras dos últimos anos? Essa segunda visão foi discutida e estimulada em toda a Ásia, onde alguns governos -entre os quais o japonês- aventaram a hipótese de um FMI asiático que promovesse políticas mais brandas. Esses países obtiveram o apoio inesperado de Joseph Stiglitz, o economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial, que recentemente aconselhou a China a optar pela desvalorização competitiva de sua moeda.
As curas propostas por Stiglitz foram recebidas pelos governos atolados em dificuldades como pétalas de rosas. Seria possível evitar os cortes orçamentários dolorosos e os juros estratosféricos. Os pronunciamentos de Stiglitz ofereceram um apoio formidável aos adversários do rigor do FMI e confundiram o público e os responsáveis pela política econômica desses países.
A linha ortodoxa foi defendida pelo cirurgião-chefe do FMI, Stanley Fischer, primeiro-vice-diretor do organismo e tão respeitado quanto Stiglitz. E a discussão vem sendo travada desde então, até uma conferência recente em Cingapura que conferiu a Stiglitz uma vitória retumbante. Mais uma vez os representantes japoneses apresentaram seus argumentos a favor de um FMI asiático, uma estratégia alternativa sem a dor da austeridade do FMI e da pouco habitual transparência.
Quem está com a razão? Será ilógico afirmar que os resultados comprovam o valor da teoria? A Ásia hoje está num processo de franca recuperação; os países atingidos pela crise já reconquistaram, ou estão prestes a reconquistar, níveis de PNB (Produto Nacional Bruto) equivalentes aos anteriores à crise. As moedas que descreveram um mergulho vertical em 1997/98 se fortaleceram substancialmente; os mercados que desabaram voltam a subir. Os investidores estão retornando.
Houve uma crise, sim, e ela deixou escombros que continuam pelo chão. Mas a estabilização verificada tem sido extraordinária. A recuperação vitoriosa vivida pelo México foi maior e aconteceu em menos tempo do que se esperava. A mesma coisa vem acontecendo no Brasil, onde a crise chegou ao fim pouco depois de começar.
Por quê? Porque as políticas do FMI funcionaram. A Ásia, o México e o Brasil adotaram e aplicaram estratégias do FMI; elevaram seus juros a níveis estratosféricos para estabilizar a moeda. Só com a estabilidade obtida os reduziram, à medida que os investidores recobravam confiança. As economias asiáticas também se mantiveram atentas a seus Orçamentos num momento em que os pacotes de socorro enormes tornavam imperativo demonstrar um mínimo de conservadorismo fiscal. O dinheiro começou a voltar, empurrando as taxas cambiais quase para os níveis em que estavam antes da crise.
Mas por que atribuir o crédito por tudo isso às estratégias do FMI? Todos os países seguiram mais ou menos a mesma estratégia (mesmo a Malásia). A exceção foi a Indonésia. Cada vez que a determinação de seu governo se enfraquecia, a moeda desabava; cada vez que voltava ao caminho preconizado pelo FMI, sua moeda se fortalecia.
Todo o mundo deveria ter reconhecido que a Ásia estava vivendo o mesmo ciclo que o México concluíra pouco antes. Infelizmente, o FMI não mostrou a todos o sucesso que obtivera no México, e infelizmente, também, permitiu-se às economias asiáticas pensar que sua experiência era única.
Quando chegou a hora de o Brasil enfrentar a mesma coisa, no final de 1998 e no início deste ano, todo o mundo já conhecia o roteiro de cor: novas eleições, o colapso da moeda evitado por muito pouco, a adesão ao programa do FMI e uma retomada acelerada.
Quais são as lições a serem tiradas de tudo isso? O FMI é péssimo quando se trata de prever crises; é pavoroso quando o assunto é a fiscalização, mas age corretamente e tem sucesso quando o negócio é tratamento pós-traumático.
Apesar dos elogios que recebem da boca para fora, os tratamentos alternativos propostos pelo Banco Mundial e o FMI asiático aventado pelo Japão não estão atraindo muitos clientes. Os países que já passaram por crises sabem que não funcionam. Quando as economias desabam de maneira totalmente inesperada, o que o FMI busca são as curas rigorosas e as verdades fundamentais. Não se iludem imaginando que, no meio de uma crise financeira e de um êxodo especulativo, obter dinheiro fácil e gastar muito com orçamentos deficitários seja a resposta. Uma estratégia desse tipo é um contra-senso puro e simples.
Viva o FMI e viva seu remédio amargo. Aliás, não saia de casa sem ele.


Rudiger Dornbusch, 57, economista, é doutor pela Universidade de Chicago e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA. Foi chefe da assessoria econômica do FMI e do Banco Mundial.
Tradução de Clara Allain.


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