São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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Censura, não! Bom senso, sim!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, instituiu uma comissão especial, com representantes dos três Poderes e da sociedade civil, para sugerir medidas de combate ao flagelo da violência.
Esse problema, que é bem conhecido dos especialistas, é pouco atacado pelas autoridades. Os estudos especializados deixam claro que a violência tem várias causas, que vão desde a degradação da economia, o desemprego, a educação incipiente, a má distribuição de renda, a impotência da polícia, a lentidão da Justiça, a conexão entre crime e droga e até mesmo a ineficiência das prisões.
Tudo indica, portanto, que a referida comissão vai acabar apresentando um rol de providências conhecidas. Nem por isso se deve subestimar o valor dessa contribuição. O Brasil necessita de medidas globais para uma violência que se globaliza.
Há um aspecto do problema, extremamente polêmico, que espero seja tratado de forma serena pelos membros daquela comissão. Trata-se do papel da imprensa.
Cada vez que alguém se arvora a criticar a exploração que muitos órgãos de imprensa fazem da violência em busca de leitores, audiência e anúncios, logo surgem os que interpretam essa crítica como uma tentativa de volta à censura.
O assunto merece meditação. Penso que uma emissora de televisão, por exemplo, pode educar, deseducar ou ser neutra naquilo que divulga.
Não parece conveniente que ela deseduque. Acredito que a maioria dos brasileiros concorda com isso. Afinal, ninguém pode ter o direito de usar uma concessão do Estado para deseducar a sociedade.
Mas, aqui, surge um problema semântico. O que é deseducar?
Não pretendo ser dono da verdade, mas pergunto: tem alguma função educativa a exibição dos detalhes sensacionalistas dos crimes que são apresentados todos os dias para as nossas crianças e adolescentes?
Sei que a matéria é difícil. Mas a sociedade brasileira está sendo desafiada a discutir se vale ou não vale a pena estabelecer certos limites. Liberdade sem ordem é um perigo.
Noto que, nas democracias mais avançadas, onde se garante o pleno gozo das liberdades individuais, os órgãos da grande imprensa (jornais, revistas e TV) não ultrapassam a linha do decoro na divulgação de crimes, na mostra de imagens de nus e exibição de sexo explícito como as que ocorrem na mídia brasileira em todas as horas do dia.
Reconheço que a questão é polêmica. Mas, como todas as peças são importantes no combate à violência, deixo essa sugestão à nova comissão, na esperança de que se chegue a uma solução democrática e respeitosa para se usar as concessões do Estado no interesse da sociedade. Foi horrível o tempo em que tínhamos a ordem sem liberdade. Mas, hoje, ninguém deseja a liberdade sem ordem.


Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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