São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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IMPUNIDADE NOS BANCOS

A impunidade no sistema financeiro é um fenômeno de mão dupla. É mais um aspecto lamentável do relacionamento que, ao longo dos anos, ficou estabelecido entre o Banco Central e as instituições financeiras: muita conivência, boa dose de promiscuidade e de falta de transparência.
Muitos supõem que não haja demérito na capacidade de as instituições financeiras se esquivarem de regras. Até certo ponto, essa percepção é correta e oportuna. Muitas normas caducam e é pela inovação que se criam novas oportunidades de ganhos, em qualquer setor da economia. Nada mais corriqueiro que os bancos apresentem seus pleitos diante das autoridades monetárias.
Mas às vezes a busca de brechas na regulação descamba para a simples contravenção ou mesmo para o crime. É quando o pleito se transforma em corrupção ou suscita conivência interessada. Não são poucos os funcionários que passaram de supervisores e reguladores do sistema financeiro para diretores muito bem pagos de instituições financeiras.
Está aí parte da explicação não só para a exasperante lentidão com que se apuram delitos, mas também para a alteração de regras, por iniciativa do próprio governo, mudança que beneficia os que já foram indiciados e mesmo multados. Como revela reportagem que esta Folha publica hoje, dez anos depois de fraudes cambiais, bancos e corretoras continuam impunes e têm boas chances de escapar de punições significativas.
Fantasmas, laranjas e assinaturas falsificadas foram utilizados por instituições pequenas e grandes, algumas já fechadas, outras ainda em operação. Além da demora do governo na identificação dos problemas, a elite política do país teve o cuidado de ajustar as leis (inclusive por meio de medida provisória) que regulam a prescrição de ilícitos financeiros, para benefício dos infratores.
O valor das multas foi drasticamente reduzido. Desde 1962, as fraudes cambiais eram passíveis de multas de 300% do valor da operação. Em 1994, o governo editou medida provisória permitindo a redução das multas, que podem agora variar entre 50% e 300%. Como sempre, já surgem propostas de formação de mais um órgão para cuidar do assunto. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, anunciou a criação de um novo setor para combater atividades ilegais, o Departamento de Combate a Ilícitos Financeiros.
É muito possível que a medida seja insuficiente. O BC, ao longo dos anos, falhou e nada garante que a falta de um departamento interno seja a origem do problema. Afinal, o governo, por vezes, legisla contra si mesmo. A não ser, claro, que se suponha que os governantes, técnicos ou políticos, ocupem cargos públicos para alimentar relações suspeitas com instituições e empresas dos quais possam eventualmente receber futuros benefícios. Em poucas palavras, a não ser que o sistema de supervisão esteja moralmente comprometido, incapaz de separar o pleito legítimo da corrupção crônica.


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