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TENDÊNCIAS/DEBATES
O MST é um movimento autônomo?
SIM
Um movimento contra a escravidão
JOSÉ ARBEX JR.
O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, MST, comemora a sua maioridade (21 anos) com honra, pompa e circunstância. A marcha
sobre Brasília demonstra, "urbi et orbi",
a sua independência frente ao governo
federal, a sua vitalidade como movimento social e o seu compromisso inarredável de lutar pela reforma agrária.
Não é pouco, especialmente quando
políticos e intelectuais até ontem comprometidos com a luta pela transformação social, hoje, acometidos por providencial amnésia, negociam sem pudor
os próprios princípios no bazar de cargos e "oportunidades de mercado".
Não pertenço ao MST, não o represento nem tenho procuração para falar
pelo movimento. Mas, como cidadão a
ele vinculado por laços de solidariedade, sinto-me orgulhoso de sua luta, que
é histórica em pelo menos dois sentidos.
Primeiro, por ter como objetivo completar a tarefa de abolir a escravidão: a
dos pobres ao capital e a da terra ao latifúndio. Se há um denominador comum
a cinco séculos de Brasil, é o fato de que
a maioria pobre nunca teve acesso à terra. A infâmia do latifúndio marca a história com o látego do senhor de escravos: até 1850 a terra era monopólio da
Coroa; depois, foi dividida entre a nobreza, os capitalistas brancos europeus
e quem mais pudesse pagar; no século
20, foi invadida e grilada por coronéis e
empresas internacionais; e agora é entregue à sanha do "moderno" agronegócio, aliança entre fazendeiros e meia
dúzia de transnacionais que dominam a
agricultura brasileira.
Nunca a terra pertenceu ao negro alforriado, ao mestiço miserável, ao branco marginalizado. O latifúndio, produtivo ou não, é sinônimo de atraso, por
criar desigualdade, concentração de
renda, fome -ou "subnutrição", como
preferem alguns de nossos doutores-,
êxodo rural e tudo o que ele implica de
nefasto. Pois bem, o MST quer abolir o
latifúndio, como condição indispensável para resolver o problema da pobreza
e da desigualdade, e impulsionar uma
transformação social de grandes proporções.
Não, caro leitor, não é o comunismo.
As grandes potências capitalistas do
planeta -a começar dos Estados Unidos e França- promoveram a distribuição de terra e investiram no trabalho
livre. Aliás, por isso se transformaram
em potências.
Segundo, a luta do MST é histórica
por estar fazendo história. Nunca um
movimento de camponeses organizado
em escala nacional durou tanto nem
criou tantos vínculos capilares com a
sociedade civil. A elite sempre foi eficiente quando se tratou de isolar e dizimar os movimentos populares (basta
lembrar Palmares, Canudos, as ligas
camponesas, a Ultab, o Master e tantos
outros).
O MST sobrevive com a teimosia e o
atrevimento de quem sabe que a sua luta tem dimensão épica, faz parte da batalha mais geral pela emancipação nacional. Por isso, mantém alianças com o
conjunto de movimentos sociais, organizações de trabalhadores, sindicais,
populares e intelectuais que não abandonaram a perspectiva de fazer do Brasil um país soberano.
Graças ao serviço de permanente desinformação praticado pela mídia, poucos sabem que o MST mantém 1.300 escolas de ensino fundamental e emprega
3.000 educadores que cuidam de 160 mil
crianças e adolescentes. Por meio do
convênio Brasil Alfabetizado, acertado
com o MEC, cerca de 30 mil adultos foram alfabetizados, com o auxílio de
2.000 educadores populares voluntários. Outros 300 educadores trabalham
com crianças de até seis anos nas "cirandas infantis", que funcionam nos assentamentos e acampamentos. Esse trabalho mereceu o Prêmio Unesco de Excelência Pedagógica.
Em janeiro passado, o MST inaugurou a primeira universidade popular do
Brasil, em Guararema, a 60 km de São
Paulo -para horror de certos doutores
preconceituosos, incapazes de aceitar a
idéia de que o "populacho" possa organizar um centro produtor de conhecimento de alto nível e rigor científico. A
sua sede foi construída com trabalho
voluntário e com dinheiro oriundo de
contribuições de organizações, artistas
e intelectuais brasileiros e estrangeiros
(incluindo Sebastião Salgado, Chico
Buarque e José Saramago). Não por acaso, a universidade foi batizada com o
nome de Florestan Fernandes e saudada, no dia de sua inauguração, por Antonio Candido.
O MST, mundialmente reconhecido,
respeitado e admirado, só conseguiu
realizar tanto por ser autônomo em relação aos partidos políticos e a quaisquer outras instituições estranhas aos
assentamentos e acampamentos que
constituem a sua base e a sua vida. Não
se submete, portanto, ao jogo de alianças, acordos espúrios, conveniências
eleitorais, cálculos e táticas arquitetado
nos gabinetes obscuros dos palácios. O
MST só não é autônomo em relação ao
conjunto da nação oprimida. Ao contrário: a ela, somente, subordina-se e
atrela o seu destino.
Senhores da terra, é muito fácil acabar
com o MST. Basta realizar a reforma
agrária.
José Arbex Jr., 47, jornalista, doutor em história
pela USP, é editor especial da revista "Caros Amigos" e autor de "Showrnalismo - a Notícia como
Espetáculo" (editora Casa Amarela).
@ - arbex@uol.com.br
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