São Paulo, Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1999


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Imigração e clichê

BORIS FAUSTO

Poucos temas da história social do Brasil se prestam tanto à difusão de clichês quanto o da imigração. Ele sensibiliza os que imigraram assim como seus descendentes. Estes, ao se distanciarem da experiência vivida pela primeira geração, buscam, muitas vezes, recuperar suas origens.
O surgimento da televisão ampliou, em muito, a possibilidade de levar ao grande público a compreensão do fenômeno imigratório, o que não significa apagar seus contornos afetivos. Infelizmente, o tema -como muitos outros- foi submetido à lei de bronze do campeonato de audiência disputado pelas emissoras -um campeonato com princípios imutáveis na aparência, estabelecendo limites à criação, em nome das supostas expectativas do público.
Os clichês difundidos sobre a imigração se constituem de alguns ingredientes básicos. Em primeiro lugar, a alimentação, tópico importante, mas tratado com as características de um comercial. Inevitavelmente, o tópico inclui o sushi, a esfiha e, sobretudo, a pizza regada a vinho, preparada em São Paulo pelas "mammas" da Vila Pompéia e do Brás. O depoimento de imigrantes mostra seus vínculos com a terra de origem e, ao mesmo tempo, sua opção definitiva pelo Brasil, a terra onde prosperaram e onde se deu a confraternização de todas as etnias.
Vários elementos de que se compõe o clichê não são falsos em si mesmos, mas trivializam uma grande experiência histórica, bem mais complexa do que se insiste em apresentar. Tomo como exemplo o "Globo Repórter" de 10/12, dedicado à imigração italiana, exatamente porque, se ele não ultrapassa os limites do clichê, apresenta alguns pontos positivos.
Destaco o depoimento de um jovem executivo italiano, há três anos no Brasil. Desde logo, um contraste se estabelece entre sua figura bem composta e a daqueles que imigraram há muitos anos, em condições difíceis. Sua fala abre caminho sugestivo para o tópico tão maltratado da alimentação, indicando a complexidade dos transplantes e da recriação cultural.
Em primeiro lugar, há a constatação do destino de certos produtos alimentares, na Itália e no Brasil. É o caso do pão de linguiça, encontrado nas padarias das grandes cidades brasileiras influenciadas pela imigração e que, nos dias de hoje, converteu-se na Itália em uma raridade. De forma análoga, o entrevistado aponta o exemplo de um pão regional -a ciabatta- restrito à província de Lucca, cujo consumo se generalizou por aqui.
Destaco também o que me parece ser a resistência do jovem executivo a admitir a inventividade alimentar no país receptor. Para ele, a macarronada, usual no Brasil, não tem nada a ver com a pasta italiana, é um ""pasticcio" que não nos pertence".
Se me detive longamente em um único exemplo revelador, em meio a um programa que repetiu também as banalidades de sempre, foi para enfatizar como é possível um veículo de comunicação de massa ser mais criativo e menos linear no tratamento do tema da imigração, assim como de qualquer outro tema. Para tanto, qualidade técnica não falta; falta um pouco mais de ousadia.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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