|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Imigração
e clichê
BORIS FAUSTO
Poucos temas da história social do
Brasil se prestam tanto à difusão de
clichês quanto o da imigração. Ele
sensibiliza os que imigraram assim
como seus descendentes. Estes, ao se
distanciarem da experiência vivida
pela primeira geração, buscam, muitas vezes, recuperar suas origens.
O surgimento da televisão ampliou,
em muito, a possibilidade de levar ao
grande público a compreensão do fenômeno imigratório, o que não significa apagar seus contornos afetivos.
Infelizmente, o tema -como muitos
outros- foi submetido à lei de bronze
do campeonato de audiência disputado pelas emissoras -um campeonato com princípios imutáveis na aparência, estabelecendo limites à criação, em nome das supostas expectativas do público.
Os clichês difundidos sobre a imigração se constituem de alguns ingredientes básicos. Em primeiro lugar, a
alimentação, tópico importante, mas
tratado com as características de um
comercial. Inevitavelmente, o tópico
inclui o sushi, a esfiha e, sobretudo, a
pizza regada a vinho, preparada em
São Paulo pelas "mammas" da Vila
Pompéia e do Brás. O depoimento de
imigrantes mostra seus vínculos com
a terra de origem e, ao mesmo tempo,
sua opção definitiva pelo Brasil, a terra
onde prosperaram e onde se deu a
confraternização de todas as etnias.
Vários elementos de que se compõe
o clichê não são falsos em si mesmos,
mas trivializam uma grande experiência histórica, bem mais complexa do
que se insiste em apresentar. Tomo
como exemplo o "Globo Repórter" de
10/12, dedicado à imigração italiana,
exatamente porque, se ele não ultrapassa os limites do clichê, apresenta
alguns pontos positivos.
Destaco o depoimento de um jovem
executivo italiano, há três anos no
Brasil. Desde logo, um contraste se estabelece entre sua figura bem composta e a daqueles que imigraram há
muitos anos, em condições difíceis.
Sua fala abre caminho sugestivo para
o tópico tão maltratado da alimentação, indicando a complexidade dos
transplantes e da recriação cultural.
Em primeiro lugar, há a constatação
do destino de certos produtos alimentares, na Itália e no Brasil. É o caso do
pão de linguiça, encontrado nas padarias das grandes cidades brasileiras influenciadas pela imigração e que, nos
dias de hoje, converteu-se na Itália em
uma raridade. De forma análoga, o
entrevistado aponta o exemplo de um
pão regional -a ciabatta- restrito à
província de Lucca, cujo consumo se
generalizou por aqui.
Destaco também o que me parece
ser a resistência do jovem executivo a
admitir a inventividade alimentar no
país receptor. Para ele, a macarronada, usual no Brasil, não tem nada a ver
com a pasta italiana, é um ""pasticcio"
que não nos pertence".
Se me detive longamente em um
único exemplo revelador, em meio a
um programa que repetiu também as
banalidades de sempre, foi para enfatizar como é possível um veículo de
comunicação de massa ser mais criativo e menos linear no tratamento do
tema da imigração, assim como de
qualquer outro tema. Para tanto, qualidade técnica não falta; falta um pouco mais de ousadia.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O bom velhinho Próximo Texto: Frases
Índice
|