São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Condenados à modernidade

RIO DE JANEIRO - Louvo o pessoal que, no afã de defender o governo e de considerá-lo o máximo em talento e formosura, começa a descobrir que o apagão será mais um benefício que o despreparo de FHC trará para a sociedade.
A turma se esbofa para provar que velas e lampiões serão um benefício para todos. Teremos tempo para pensar em nós mesmos, sem a poluição provocada pelos ruídos e imagens que a eletricidade nos traz.
Voltaremos a usar camisolões e gorros, que nem nos filmes do Gordo e o Magro. Levaremos o castiçal para a mesinha de cabeceira e, como poderá faltar água, que é bombeada pela eletricidade, teremos também penicos sob a cama.
Lágrimas enchem-me os olhos. A perspectiva bucólica das velas, dos castiçais e dos penicos me comove. Voltaremos àquilo que os americanos chamam de ""bons tempos". É a modernidade que FHC trouxe ao Brasil.
Vi um técnico no assunto dizer que entre as causas da atual crise de energia está a leviandade com que abrimos a geladeira. Sinceramente, nunca prestei atenção a esse crime que cometo todos os dias, abrindo a geladeira não sei quantas vezes.
Como muitos outros, surpreendi o presidente da República, que foi obrigado a admitir, diante da nação, que não sabia da leviandade que todos cometemos ao abrir a geladeira.
Olhando o lado bom do apagão, teremos mais tempos para a interiorização. Estaremos mais concentrados. Seremos românticos jantando à luz de velas.
Para incrementar esse clima, aposentaremos nossos equipamentos de som e voltaremos aos gramofones, que não precisam de eletricidade. A banda da Casa Édison, Caruso, o Bando dos Tangarás entrarão nas paradas.
Só falta agora o ministro da Saúde trazer de volta as ventosas e as sanguessugas usadas para prevenir insultos cerebrais.



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