São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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PIORA SEM PRAZO

Está em curso uma contração dos horizontes com que empresários, consumidores e trabalhadores formam suas expectativas, fazem seus planos e tomam decisões. A tal ponto se acumulam fatores de incerteza, na economia e na política, que a piora inevitável já nem parece passível de ser dimensionada em termos de curto, médio e longo prazo.
A crise energética é o principal elemento a precipitar o mau humor. Mas ela aflora num momento em que já pioravam os indicadores de inflação, em que já cursavam trajetória de alta as taxas de juros, em que as pressões sobre o câmbio se intensificavam e em que o rumo da economia mundial se tornava mais nebuloso.
No plano econômico internacional, aliás, as notícias agora são menos assustadoras, já que os bancos centrais dos EUA e da União Européia vêm reduzindo seus juros. O problema dessa notícia, em si mesma boa, é que ninguém sabe ainda se as quedas nas taxas de juros servirão para reativar os mercados mundiais ou se elas terão no máximo o dom de evitar uma deterioração ainda mais aguda e rápida nos mercados monetários e financeiros do mundo.
No "front" econômico doméstico, o que se configura é um intenso choque de custos. O racionamento de energia elétrica, no entanto, não terá implicações apenas temporárias.
Também nesse caso é ainda cedo para estimar quanto custarão ou por quanto tempo ocorrerão reajustes de tarifas que reflitam o descompasso entre demanda e oferta de energia.
Entretanto, como em outros casos de desequilíbrio estrutural, o choque através de reajustes de preços e da contenção da demanda é parte da história, talvez a menos significativa.
Mesmo que as tarifas sofram reajustes expressivos nos próximos meses e anos, o que é muito provável, prolongando o choque de custos e impedindo o crescimento da economia, o ajuste não terá ocorrido até que surjam os investimentos, de longa maturação, necessários para que a oferta de energia se amplie.
Neste momento, não há clareza sobre como, em que intensidade ou quando serão realizados tais investimentos. Nesse quadro ficam mais restritas as opções que uma empresa tem para definir como cortar custos e em que medida esse ajuste afetará o nível de emprego. Sem horizonte, tornam-se mais prováveis as demissões em maior número.
Há outros custos que contribuem para o choque atual. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, já anunciou um reajuste de tarifas de transporte que terá impacto nos orçamentos dos habitantes do maior pólo econômico do país. A Fipe, avaliando a repercussão inflacionária desse reajuste de tarifas, já situa sua previsão de inflação anual na casa dos 5%.
Há outros fatores de impacto sobre os custos que mal começaram a ser sentidos. A forte pressão sobre a taxa de câmbio das últimas semanas, por exemplo, poderá vir a afetar inúmeros setores da economia brasileira.
O Banco Central, diante desse choque de custos, muito provavelmente optará por conter a demanda, ou seja, voltará a elevar as taxas de juros para esfriar ainda mais a economia e, assim, impedir altas mais expressivas dos índices de inflação.
Levando em conta a natureza dos desequilíbrios em curso e a direção mais provável da política econômica, torna-se praticamente inevitável admitir um cenário que há pouco parecia inimaginável: uma recessão. Isso seria algo especialmente grave por dois motivos. Primeiro porque nada autoriza qualquer previsão quanto a sua duração. Segundo porque, ocorrendo no processo de aquecimento da corrida eleitoral rumo à sucessão de FHC, essa possível recessão deve tornar ainda mais instável o já conturbado cenário político.



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