São Paulo, quinta, 20 de mar�o de 1997. |
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BANDEIRA DE MELLO No último dia 8, os jornais noticiaram que juristas provenientes de diferentes partes do Brasil reuniram-se em Brasília, onde redigiram um manifesto à nação para denunciar que está ocorrendo uma progressiva e perigosíssima concentração de poderes no Executivo, estando já ``em curso um processo de ruptura do modelo constitucional democrático instituído em 1988'', a ser substituído por outro, que não faz presumir nada de bom. E que pode ser danoso também para interesses fundamentais do país, de que é boa amostra o propósito de venda da Companhia Vale do Rio Doce, detentora dos direitos de exploração de imensas riquezas minerais ainda nem sequer determinadas em toda a extensão. Naquele texto, do qual a imprensa pinçou trechos bastante representativos, transparece o propósito de alertar a nação para riscos que começa a correr. Muitos, talvez, hajam estranhado o presumido teor do documento (que haverão imaginado a partir das passagens transcritas em jornais), reputando-o alarmista. Outros, quem sabe, haverão suposto que é apenas o desabafo oposicionista, ou mesmo partidário, de pessoas inconformadas com uma política que reprovam. Infelizmente, não é nem uma coisa nem outra. No mês passado, antes, pois, do manifesto referido, possivelmente pela primeira vez em nossa história, reuniram-se os presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil para fazer uma autêntica denúncia à nação: a de que as instituições democráticas estavam em perigo ante o comportamento do Poder Executivo. Com efeito, se considerarmos que provêm de pessoas habituadas, por dever de ofício, a extremas ponderação, serenidade e discrição, outra coisa não pode ser extraída de expressões como estas: ``O crescente agigantar-se do Poder Executivo ameaça e deprime o exercício das demais atividades igualmente essenciais ao funcionamento do Estado. A concentração do poder já se vai fazendo ameaçadora à normalidade institucional e à supremacia da lei. Concretamente preocupa-se (o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil) com a visível inclinação dos governantes a subordinar o sistema constitucional aos projetos de governo, ao invés de se ajustarem tais programas à ordem jurídica preexistente (...)''. Alguém imagina que, vindo de quem vêm, tais denúncias não são graves, merecedoras da máxima atenção e, sobretudo, que demandariam a mais completa e estrepitosa divulgação por toda a mídia? Em face disto, cabe, ainda, perguntar: os que ora estão lendo estas linhas acaso leram na imprensa ou viram na televisão ou ouviram no rádio o teor completo do documento dessas autoridades judiciárias? Com alguma exceção louvável, a carta em apreço não foi transcrita ou transmitida em sua íntegra pelos meios de comunicação e, por isso, permanece praticamente ignorada. Existe um verdadeiro manto de silêncio, ou melhor, de ``sussurro'', estendido pelos meios de comunicação, recobrindo uma sequência de atos reveladores de um personalismo exacerbado, cujos rumos já seriam claramente perceptíveis, não fora pela maneira notavelmente discreta e condescendente, até o limite do impossível, com que a imprensa os vem tratando. Ressalvadas exceções honrosas, ou não são noticiados (ou comentados) ou não o são com o alarde que a importância deles demandaria. Surge, agora, poucos dias depois do primeiro, um segundo documento, o referido inicialmente. Já está começando a receber adesões de juristas de todo o Brasil. Não são pessoas habituadas a ver fantasmas. Será lido em Brasília e nas capitais dos vários Estados. É que a democracia vale a pena. Celso Antônio Bandeira de Mello, 60, advogado, é professor titular da Faculdade de Direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Texto Anterior | Índice |
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