|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Economista do ecodesenvolvimento
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Ignacy Sachs, um grande intelectual, rejeita a torre de marfim da universidade e mergulha na prática, sempre em defesa dos seus ideais
"NEM PENSAR em paralisar
o crescimento enquanto
houver pobres e desigualdades sociais gritantes; mas é necessário que esse crescimento mude
quanto às suas formas de ser e principalmente quanto à repartição dos
seus frutos. Precisamos de um outro
crescimento para um outro desenvolvimento." Retiro essa frase da autobiografia de Ignacy Sachs, que acaba
de ser publicada na França ("La Troisième Rive", Bourin Éditeur) um pouco depois de haver ele comemorado
80 anos. Quem é Ignacy Sachs? A meu
ver -e no de muitos-, é o principal
economista mundial do ecodesenvolvimento. Conjuntamente com Maurice Strong e Marc Nerfin, ajudou a
definir a declaração final da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, de 1972, a partir da qual a proteção do ambiente se transformou em
problema e objetivo mundial.
Uma outra forma de definir Sachs é
dizer que é um grande intelectual, que
rejeita a torre de marfim da universidade -da Ecole d'Hautes Etudes en
Sciences Sociales, onde ensina- e
mergulha na prática. Mas o faz como
o Dom Quixote-Sancho Pança do nosso tempo: sempre na defesa de seus
ideais de liberdade, justiça social e defesa do meio ambiente. Sempre utópico, portanto, mas, também, sempre
pragmático, sempre envolvido em definir e participar de projetos de interesse econômico, social e ambiental
que fortaleçam os pobres, os camponeses principalmente, ou encaminhem a solução dos grandes problemas globais, como o do efeito estufa.
Sua nacionalidade? Eu diria que é
tripla: polonesa, brasileira e francesa.
Polonesa porque Sachs nasceu na Polônia, fugiu com seus pais em 1939, retornou em 1953, foi discípulo do grande economista Michal Kalecki, e da
Polônia novamente foi para o exílio
em 1968, quando o anti-semitismo
voltara a tomar conta do seu país de
nascença. Brasileira porque viveu
aqui 14 anos, aqui estudou, porque
ainda tem uma residência e família no
Brasil e porque transformou o Brasil e
seu governo, independente do partido que esteja no poder, no principal
objeto de seus conselhos e trabalhos.
Francesa porque é professor da mais
prestigiosa escola de ciências sociais
da França, onde fundou o Centro de
Estudos do Brasil Contemporâneo.
Sachs faz parte da segunda geração
dos economistas da Teoria do Desenvolvimento. A primeira foi a de Rosenstein-Rodan, Hans Singer, Gunar
Myrdal e Raul Prebisch; a segunda, de
Celso Furtado, Albert Hirschman e
dele próprio. Conheço Inácio, como
se apresenta no Brasil, há muito, mas
nos últimos anos, desde que passei a
ser professor associado da EHESS,
onde dou anualmente um curso de
um mês, nos tornamos amigos. Economista ilustre, ele, entretanto, jamais perde de vista os aspectos éticos
do desenvolvimento. Para ele, não há
ciência social pura. "As ciências sociais têm principalmente um papel
heurístico [de nos ajudar a pensar].
Elas servem para fazer as boas perguntas e alimentar o debate social. As
respostas, elas vêm da prática."
Sua lista de publicações é enorme.
Publicou livros originalmente escritos em polonês, francês, português e
inglês. Não aceitou as ofertas de cargos que recebeu dentro do sistema
das Nações Unidas, mas adotou o conselho de seu mestre, Kalecki, quando
saiu da Polônia pela segunda vez: "Se
puder, seja consultor. É absolutamente necessário adquirir uma experiência prática".
Cada vez que o encontro, ele tem
novas histórias a contar. Algumas se
referem a seus projetos em defesa dos
pequenos, como quando assessorou o
Sebrae a desenvolver um projeto de
produção do dendê em unidades familiares combinadas com usinas empresariais de processamento. Outras
vezes, está dando assessoria ao governo brasileiro ou às Nações Unidas sobre o desenvolvimento includente e
auto-sustentável ou sobre o aproveitamento da biomassa para a produção
de energia auto-renovável. Escreve,
então, documentos. O último que tenho em mãos, feito para a Unctad das
Nações Unidas, denomina-se "The
biofuels controversy", onde ele não vê
conflito entre a segurança energética
e a alimentar, desde que a produção
de biomassa para a energia seja bem
regulada pelo Estado, tendo como critérios não apenas custo, mas também
interesse social e proteção ambiental.
Ignacy Sachs e sua companheira de
toda a vida, Viola, especializada em letras anglo-americanas, são duas pessoas admiráveis. O livro autobiográfico originou-se de uma série de entrevistas, que duraram quase um ano, a
Thierry Paquot. Mas ao final este ficou tão impressionado com a coerência das respostas, que preferiu escrever o prefácio, retirar suas perguntas
e deixar o belo texto correr. Também
ele se deixou encantar por essa grande figura humana e intelectual que é
Ignacy Sachs.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 73, professor emérito da FGV-SP, é colunista do caderno Dinheiro. Foi ministro da Ciência e Tecnologia (governo FHC) e da Fazenda
(governo Sarney).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES José Graziano da Silva: O renascimento da agenda agrária Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|