São Paulo, domingo, 19 de março de 2000


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O homem justo

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Volta e meia estranham que, declarando-me agnóstico, não aceitando a idéia de um Deus filosófico, moral ou religioso, seja devoto -e bota devoto nisso- de alguns santos do nosso calendário tradicional. Pode e deve ser uma contradição, até mesmo uma aberração. Mas continuo na minha.
Deus é um conceito ou uma entidade distante demais para os meus recursos e até mesmo minhas necessidades. Já os santos, porque foram terrenos, com os mesmos alicerces de barro de que fui feito, merecem mais do que a minha admiração. Merecem mesmo a minha devoção.
São José, cujo dia hoje se comemora, é um deles. Nos Evangelhos, ele comparece com o seu silêncio e a sua ação. Acreditou na mensagem do anjo, assumiu a jovem noiva que ia ter um filho que não era dele. Protegeu-a e protegeu o filho que dela nasceu. Não fez perguntas.
Quando chegou a hora, bateu as estalagens de Belém procurando um pouso para a noite. Não havia lugar para um carpinteiro de Nazaré e sua mulher grávida. Um burro e uma vaca esquentaram o menino que nasceu.
Veio depois o aviso para a fuga, o rei queria matar o menino. Mais uma vez, José obedeceu. Os Evangelhos não registram uma única palavra dele. Somente gestos.
Sim, há uma referência explícita a ele: ""vir justus". Um homem justo. Só isso. Como se tratava de um carpinteiro, e não de um juiz, deduz-se que José era acima de tudo um bom. Bom como carpinteiro, bom como esposo, bom como pai de um garoto que dividiria a história do mundo.
Quanto mais penso na sua humildade, no seu silêncio, na sua condição de justo, mais me amarro nele. Como santo, não é de fazer milagres espetaculares. Não gosta de chamar a atenção. Acreditando-se ou não na revelação cristã, devemos acreditar no homem que aceitou aquela mulher e protegeu aquele menino.



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