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BORIS FAUSTO
Tempos de mudança
Nestes tempos de mudança de
governo, veio-me à mente uma
conversa com um amigo sociólogo argentino, no segundo semestre de 1989.
Estávamos a poucos meses da eleição
para a Presidência da República e a vitória de Lula parecia provável.
Falei a ele da minha preocupação
com essa possibilidade, que, afinal de
contas, não veio a se concretizar. Lembro de passagem que, apesar dos temores, acabei votando no candidato
petista, diante da anunciada tempestade collorida.
Mas não é isso o que hoje importa, e
sim recordar a resposta de meu amigo
sociólogo, mais ou menos nos seguintes termos: "Você está se preocupando sem necessidade. Eles vão fazer erros elementares, depois entram em
pânico e pedem socorro a algum
bombeiro ultraconservador".
Os anos passaram, Lula acabou
triunfando e muita coisa se alterou.
Nos últimos meses, o presidente eleito
e o núcleo dirigente do PT tomaram
um rumo sensato, particularmente na
área econômico-financeira. Suas declarações e os nomes indicados pressupõem uma linha de continuidade, a
observância de alguns princípios básicos que o atual governo implantou: estabilidade monetária, responsabilidade fiscal, combate à inflação etc.
Essa postura, a ser confirmada no
exercício do poder, começa a ser atacada por meias-palavras, cada fez
mais claras, provenientes de setores
políticos e da sociedade que se costumam denominar de esquerda, mas
que são, na verdade, uma combinação
de anacronismo ideológico e de um irremediável populismo.
O quadro se complica porque, se
quiser garantir maior crescimento
econômico, com reflexos em melhores índices de emprego, combater eficazmente a inflação e criar condições
para avanços sociais indispensáveis, o
novo governo terá de atuar em uma
conjuntura que obriga a muitas restrições. Isso, como é fácil perceber, poderá levar a uma queda de sua popularidade e a uma generalizada atração
-tanto no interior do PT, quanto no
âmbito dos demais partidos que
apoiaram o nome do presidente eleito
-pelas soluções mágicas, revestidas
do discurso da "ruptura do modelo",
aliás, deixado de lado há bem pouco
tempo.
Desse modo, o quadro atual impõe
novas responsabilidades aos partidos
de oposição, notadamente ao PSDB.
Não se trata -longe disso- de abandonar uma postura oposicionista.
Trata-se, sim, de acompanhar de perto uma conjuntura móvel e saber cose
locar à altura das circunstâncias.
Em termos práticos, existirão muitas razões, nos meses e anos que estão
por vir, para que o PSDB se oponha a
iniciativas do governo. Ao mesmo
tempo, tudo indica que irão crescer os
momentos nos quais será necessário
sustentar uma linha governamental
que se desenha como responsável e
atuar positivamente em eventuais situações de confronto.
Não sei se meu amigo portenho vai
se lembrar de uma conversa que, para
ele, talvez tenha sido irrelevante, mas
que saltou do arquivo da minha memória. De qualquer forma, ele concordará comigo que as preocupações por
aqui se inverteram, depois da passagem de tantas águas sob a ponte.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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