São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 2002

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BORIS FAUSTO

Tempos de mudança

Nestes tempos de mudança de governo, veio-me à mente uma conversa com um amigo sociólogo argentino, no segundo semestre de 1989. Estávamos a poucos meses da eleição para a Presidência da República e a vitória de Lula parecia provável.
Falei a ele da minha preocupação com essa possibilidade, que, afinal de contas, não veio a se concretizar. Lembro de passagem que, apesar dos temores, acabei votando no candidato petista, diante da anunciada tempestade collorida.
Mas não é isso o que hoje importa, e sim recordar a resposta de meu amigo sociólogo, mais ou menos nos seguintes termos: "Você está se preocupando sem necessidade. Eles vão fazer erros elementares, depois entram em pânico e pedem socorro a algum bombeiro ultraconservador".
Os anos passaram, Lula acabou triunfando e muita coisa se alterou. Nos últimos meses, o presidente eleito e o núcleo dirigente do PT tomaram um rumo sensato, particularmente na área econômico-financeira. Suas declarações e os nomes indicados pressupõem uma linha de continuidade, a observância de alguns princípios básicos que o atual governo implantou: estabilidade monetária, responsabilidade fiscal, combate à inflação etc.
Essa postura, a ser confirmada no exercício do poder, começa a ser atacada por meias-palavras, cada fez mais claras, provenientes de setores políticos e da sociedade que se costumam denominar de esquerda, mas que são, na verdade, uma combinação de anacronismo ideológico e de um irremediável populismo.
O quadro se complica porque, se quiser garantir maior crescimento econômico, com reflexos em melhores índices de emprego, combater eficazmente a inflação e criar condições para avanços sociais indispensáveis, o novo governo terá de atuar em uma conjuntura que obriga a muitas restrições. Isso, como é fácil perceber, poderá levar a uma queda de sua popularidade e a uma generalizada atração -tanto no interior do PT, quanto no âmbito dos demais partidos que apoiaram o nome do presidente eleito -pelas soluções mágicas, revestidas do discurso da "ruptura do modelo", aliás, deixado de lado há bem pouco tempo.
Desse modo, o quadro atual impõe novas responsabilidades aos partidos de oposição, notadamente ao PSDB. Não se trata -longe disso- de abandonar uma postura oposicionista. Trata-se, sim, de acompanhar de perto uma conjuntura móvel e saber cose locar à altura das circunstâncias.
Em termos práticos, existirão muitas razões, nos meses e anos que estão por vir, para que o PSDB se oponha a iniciativas do governo. Ao mesmo tempo, tudo indica que irão crescer os momentos nos quais será necessário sustentar uma linha governamental que se desenha como responsável e atuar positivamente em eventuais situações de confronto.
Não sei se meu amigo portenho vai se lembrar de uma conversa que, para ele, talvez tenha sido irrelevante, mas que saltou do arquivo da minha memória. De qualquer forma, ele concordará comigo que as preocupações por aqui se inverteram, depois da passagem de tantas águas sob a ponte.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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