São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Novamente, as lágrimas

RIO DE JANEIRO - Em crônica recente, "O dom das lágrimas", logo após a eleição de Lula, ao mesmo tempo em que o enalteci como vitorioso não na política, mas na vida em geral, estranhei a facilidade com que andava chorando em público, em momentos sem dúvida emocionantes para ele e para nós -e nesse nós incluo os que não votaram nele, como eu próprio, que não votei em ninguém.
Acontece que, ao ser diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, numa solenidade que mexeria com o coração mais áspero, o que não é o seu caso, ele novamente chorou. Criticaram-me pelo fato de ter censurado a emoção de um homem simples, num momento de sagração, e lembrei que são Pedro chorou quando ouviu o galo cantar e descobriu que havia rejeitado seu mestre. O próprio Cristo que também chorou, ao saber que Lázaro morrera. E depois do choro, ressuscitara o amigo.
Evidente que qualquer ser humano, em momentos de emoção, de dor e mesmo de alegria, conquista aquilo que a ascese cristã chama de dom das lágrimas. Acontece que vemos Lula chorando demais, e nem sempre em ocasiões emocionantes, mas em momentos de rotina. Lágrimas fáceis podem banalizar qualquer sentimento, por mais importante que seja.
Lembro a história do menino que gostava de cair no mar, afastava-se da praia e começava a gritar, pedindo socorro. Todos se lançavam nas ondas para o salvar, mas eram recebidos com gozação: o menino fingia o próprio naufrágio.
Um dia, ele teve um troço, bebeu água demais, gritou por socorro e ninguém o atendeu, pensando ser brincadeira. Morreu afogado. Um presidente quando chora deve provocar uma comoção nacional. Mesmo que chore por motivos pessoais, sua emoção se estende a toda a nação. No caso do diploma presidencial, ele teve um bom motivo para chorar. E nos emocionou a todos. Mas convém não abusar. Nunca vi um crocodilo chorar, nem mesmo vi um crocodilo de verdade, mas sei que são famosos por chorar lágrimas falsas.


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