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CARLOS HEITOR CONY
Novamente, as lágrimas
RIO DE JANEIRO - Em crônica recente, "O dom das lágrimas", logo após a
eleição de Lula, ao mesmo tempo em
que o enalteci como vitorioso não na
política, mas na vida em geral, estranhei a facilidade com que andava
chorando em público, em momentos
sem dúvida emocionantes para ele e
para nós -e nesse nós incluo os que
não votaram nele, como eu próprio,
que não votei em ninguém.
Acontece que, ao ser diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, numa
solenidade que mexeria com o coração mais áspero, o que não é o seu caso, ele novamente chorou. Criticaram-me pelo fato de ter censurado a
emoção de um homem simples, num
momento de sagração, e lembrei que
são Pedro chorou quando ouviu o galo cantar e descobriu que havia rejeitado seu mestre. O próprio Cristo que
também chorou, ao saber que Lázaro
morrera. E depois do choro, ressuscitara o amigo.
Evidente que qualquer ser humano,
em momentos de emoção, de dor e
mesmo de alegria, conquista aquilo
que a ascese cristã chama de dom das
lágrimas. Acontece que vemos Lula
chorando demais, e nem sempre em
ocasiões emocionantes, mas em momentos de rotina. Lágrimas fáceis podem banalizar qualquer sentimento,
por mais importante que seja.
Lembro a história do menino que
gostava de cair no mar, afastava-se
da praia e começava a gritar, pedindo socorro. Todos se lançavam nas
ondas para o salvar, mas eram recebidos com gozação: o menino fingia o
próprio naufrágio.
Um dia, ele teve um troço, bebeu
água demais, gritou por socorro e
ninguém o atendeu, pensando ser
brincadeira. Morreu afogado. Um
presidente quando chora deve provocar uma comoção nacional. Mesmo
que chore por motivos pessoais, sua
emoção se estende a toda a nação. No
caso do diploma presidencial, ele teve
um bom motivo para chorar. E nos
emocionou a todos. Mas convém não
abusar. Nunca vi um crocodilo chorar, nem mesmo vi um crocodilo de
verdade, mas sei que são famosos por
chorar lágrimas falsas.
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