São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2000


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A integração total dos perueiros ao transporte público oficial é viável?

SIM
Para o bem dos passageiros

JOSÉ CÉLIO DOS SANTOS

Glorioso Aurélio que, em sua obra, nos ensina que integrar é "1 - Tornar inteiro: completar, inteirar, integralizar". Mais do que debatermos ou nos estendermos em infindáveis justificativas, vejamos o que diz a população.
Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha e publicada na Folha, 37% dos entrevistados consideram o sistema de lotação ótimo ou bom, e, entre aqueles que afirmam utilizar lotações sempre, a aprovação chega a 75%. Lamentavelmente, nessa mesma pesquisa, o sistema de ônibus teve um índice de 28% de entrevistados que o consideram ótimo ou bom. Triste realidade. No mesmo período utilizado como parâmetro na pesquisa, os índices de aprovação do metrô e dos trens tiveram um crescimento expressivo.
Há que destacar que a pesquisa foi realizada no período de efervescente caça dos perueiros pelo poder municipal. Seria infantil e leviano imaginar que, com toda a pressão exercida sobre esse sistema, não ocorreria uma degradação nos serviços prestados pela lotação. Ainda assim, ela perde em aceitação e aprovação apenas para o metrô.
Diante dessas constatações, é imperioso afirmar que é possível a integração, porém falta ao poder público tratar-se da miopia que o acomete na leitura do que é o interesse público. Não adianta preocupar-se em proteger um sistema caduco e com paquidérmicos vícios de operação. Os condutores de lotação são sérios e querem trabalhar sob o manto da lei -legalidade que tem sido negada pelo poder público.
É chegado o momento de entendermos que o uso da expressão "clandestino" está equivocado. Não existe clandestino, existem condutores de lotação que foram impedidos de legalizar-se. Existem no seio dos condutores de lotação maus profissionais, mas certamente são minoria. Não teríamos obtido maioria se assim não fosse.
Existem trabalhos sérios e lúcidos em andamento sobre o tema, como, por exemplo, o projeto de lei do deputado federal Lincoln Portela que dispõe sobre a instituição e a delegação do transporte coletivo de passageiros em veículos cuja lotação varie de oito a 16 lugares. Elaborado em maio de 98, esse projeto apresenta a antevisão dessa desastrosa sequência de ações que estamos presenciando. Vejamos parte de seu texto. "Como providência padrão, administrações públicas contrárias à atuação do transporte clandestino têm procurado dar seguimento a políticas de controle policial, as quais, entretanto, vêm se mostrando infrutíferas e, pior, catalisadoras de sérios conflitos sociais."
O projeto de lei apresenta o trato do tema com uma lucidez e imparcialidade que nos conduzem à seguinte reflexão: por que são impostos regras e limites draconianos sobre uma categoria que obtém elevados índices de aprovação do público e se trabalha ardilosamente pela sua extinção, privilegiando uma outra categoria que anacronicamente teima em não se alinhar em prol do interesse público?
É do entendimento do Sindlotação que, partindo da análise e do entendimento imparciais da matriz de transportes coletivos existentes em São Paulo, escutando a população, trazendo os empresários de ônibus para a realidade da compreensão do que é sua função social, será possível tornar inteiro nosso sistema de transportes.
O condutor de lotação é um empresário pequeno, empregado de si mesmo, com elevado nível de consciência da função social do trabalho que desempenha e de seu papel na sociedade. Desde há muito procuramos no poder público o caminho para -para o bem do interesse público- alcançar a legalidade no Estado de Direito. Continuamente, fomos colocados na precariedade do exercício do trabalho.
Nós dizemos sim para a integração, contamos com o apoio da população e entendemos que o cerceamento por parte do poder público ao direito desta categoria de continuar trabalhando é, apenas, mais um desserviço prestado pelas autoridades, mostrando assim o quão distantes se encontram da realidade de quem sabe, na periferia, que pode esperar que a perua ou a van vão passar e, nelas, o passageiro não será mais um número na catraca, a ser distribuído por um percurso.
Na lotação o passageiro tem nome e lugar para viajar sentado. O condutor de lotação não faz greve e sabe o quanto é importante trabalhar bem. A integração é viável, cada meio tem o seu lugar na matriz de transportes. Tratemo-los de forma equânime, serena e equilibrada, e todos verão como a integração total dos perueiros ao transporte público oficial é viável.


José Célio dos Santos, 32, é presidente do Sindlotação (sindicato dos proprietários de veículos e profissionais autônomos que trabalham no transporte de passageiros por meio de lotação no Estado de São Paulo).



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