São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil está menos vulnerável a crises econômicas internacionais?

NÃO

A vulnerabilidade renovada

RICARDO CARNEIRO

A AVALIAÇÃO DA vulnerabilidade externa implica considerar a intensidade da abertura financeira, incluindo as operações com derivativos e a qualidade dos passivos externos. Ademais exige levar em conta a natureza da inserção internacional, olhada pela composição das exportações. A adoção dessa perspectiva permite julgá-la à luz dos ganhos permanentes e não conjunturais. A abertura financeira teve continuidade no governo Lula, durante o qual houve duas medidas centrais: a facilitação para os residentes realizarem investimentos no exterior e a criação de incentivos fiscais para investidores estrangeiros adquirirem títulos da dívida pública. Antes, um momento essencial havia sido, em 2000, a equiparação entre investidores, permitindo a não-residentes operar nos mercados de derivativos. O aumento das reservas nos últimos dois anos suscitou a tese, discutível, da redução da vulnerabilidade de curto prazo, pois as medidas simplificadoras do acesso dos residentes aos mercados externos são potencialmente deletérias. Isso porque a dívida pública interna, principal ativo financeiro do país, é dotada de grande liquidez. Nessa ótica, deve ser avaliada também a maior presença de investidores estrangeiros como detentores de títulos públicos e na Bolsa. Há, ainda, as operações com derivativos, responsáveis por fortes oscilações no câmbio com relativa independência do movimento de divisas. Dadas as elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central em um contexto de liquidez internacional, queda do risco-país e melhora da conta corrente, formou-se uma convenção quanto a futuras apreciações do real. Nessas condições, a formação da taxa de câmbio guardou uma independência significativa do fluxo de divisas. Assim, mudanças nas condições de liquidez internacional ou no diferencial de juros podem levar a movimentos significativos nessas taxas, como se viu nas últimas semanas. No longo prazo, a relação passivo externo líquido/exportações melhorou, estabilizando-se nos últimos dois anos. Após 2002, a taxa de crescimento das exportações se acelerou por conta da moeda desvalorizada, em parte do período, mas, sobretudo, pela diferença entre o crescimento doméstico e o internacional. Houve também mudança em uma das parcelas do passivo externo, a dívida securitizada, privada e pública. Após as sucessivas crises cambiais, as empresas decidiram reduzir sua exposição em moeda estrangeira. Quanto à dívida pública, o superávit global de balanço de pagamentos permitiu adquirir divisas para, além de acumular reservas, recomprar dívida. A estabilização do indicador de vulnerabilidade externa responde à desaceleração das exportações, associada à retomada dos investimentos, tanto diretos como de portfólio. A vulnerabilidade externa no longo prazo estará condicionada pela perda do dinamismo das exportações, já visível com a desaceleração do comércio internacional e a apreciação da moeda local. A isso se soma a alta das importações, com redução do saldo comercial e de transações correntes. O Brasil tem uma pauta de comércio de alta sensibilidade aos ciclos internacionais. Cerca de dois terços das exportações concentram-se em commodities primárias, produtos intensivos em recursos naturais e trabalho e bens de baixa intensidade tecnológica. O restante é composto por bens de média e alta intensidade tecnológica. O saldo é de responsabilidade quase exclusiva do primeiro grupo. A questão de fundo é como as exportações reagirão à desaceleração do comércio internacional. Certamente com perda de dinamismo e redução do saldo, como já ocorre. Ao fim e ao cabo é difícil precisar a intensidade com a qual a reversão do ciclo de liquidez e de comércio atingirá o Brasil, mas, provavelmente, ela exporá uma vulnerabilidade externa renovada.


RICARDO CARNEIRO , 54, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos de
Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP.


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