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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil está menos vulnerável a
crises econômicas internacionais?
NÃO
A vulnerabilidade renovada
RICARDO CARNEIRO
A
AVALIAÇÃO DA vulnerabilidade externa implica considerar
a intensidade da abertura financeira, incluindo as operações com
derivativos e a qualidade dos passivos
externos. Ademais exige levar em
conta a natureza da inserção internacional, olhada pela composição das
exportações. A adoção dessa perspectiva permite julgá-la à luz dos ganhos
permanentes e não conjunturais.
A abertura financeira teve continuidade no governo Lula, durante o
qual houve duas medidas centrais: a
facilitação para os residentes realizarem investimentos no exterior e a
criação de incentivos fiscais para investidores estrangeiros adquirirem
títulos da dívida pública. Antes, um
momento essencial havia sido, em
2000, a equiparação entre investidores, permitindo a não-residentes operar nos mercados de derivativos.
O aumento das reservas nos últimos dois anos suscitou a tese, discutível, da redução da vulnerabilidade de
curto prazo, pois as medidas simplificadoras do acesso dos residentes aos
mercados externos são potencialmente deletérias. Isso porque a dívida
pública interna, principal ativo financeiro do país, é dotada de grande liquidez. Nessa ótica, deve ser avaliada
também a maior presença de investidores estrangeiros como detentores
de títulos públicos e na Bolsa.
Há, ainda, as operações com derivativos, responsáveis por fortes oscilações no câmbio com relativa independência do movimento de divisas. Dadas as elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central em um contexto de liquidez internacional, queda
do risco-país e melhora da conta corrente, formou-se uma convenção
quanto a futuras apreciações do real.
Nessas condições, a formação da taxa de câmbio guardou uma independência significativa do fluxo de divisas. Assim, mudanças nas condições
de liquidez internacional ou no diferencial de juros podem levar a movimentos significativos nessas taxas,
como se viu nas últimas semanas.
No longo prazo, a relação passivo
externo líquido/exportações melhorou, estabilizando-se nos últimos dois
anos. Após 2002, a taxa de crescimento das exportações se acelerou por
conta da moeda desvalorizada, em
parte do período, mas, sobretudo, pela diferença entre o crescimento doméstico e o internacional.
Houve também mudança em uma
das parcelas do passivo externo, a dívida securitizada, privada e pública.
Após as sucessivas crises cambiais, as
empresas decidiram reduzir sua exposição em moeda estrangeira.
Quanto à dívida pública, o superávit global de balanço de pagamentos
permitiu adquirir divisas para, além
de acumular reservas, recomprar dívida. A estabilização do indicador de
vulnerabilidade externa responde à
desaceleração das exportações, associada à retomada dos investimentos,
tanto diretos como de portfólio.
A vulnerabilidade externa no longo
prazo estará condicionada pela perda
do dinamismo das exportações, já visível com a desaceleração do comércio internacional e a apreciação da
moeda local. A isso se soma a alta das
importações, com redução do saldo
comercial e de transações correntes.
O Brasil tem uma pauta de comércio de alta sensibilidade aos ciclos internacionais. Cerca de dois terços das
exportações concentram-se em commodities primárias, produtos intensivos em recursos naturais e trabalho e
bens de baixa intensidade tecnológica. O restante é composto por bens de
média e alta intensidade tecnológica.
O saldo é de responsabilidade quase
exclusiva do primeiro grupo.
A questão de fundo é como as exportações reagirão à desaceleração do
comércio internacional. Certamente
com perda de dinamismo e redução
do saldo, como já ocorre. Ao fim e ao
cabo é difícil precisar a intensidade
com a qual a reversão do ciclo de liquidez e de comércio atingirá o Brasil,
mas, provavelmente, ela exporá uma
vulnerabilidade externa renovada.
RICARDO CARNEIRO , 54, é professor do Instituto de
Economia e pesquisador do Centro de Estudos de
Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP.
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