São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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CARLOS HEITOR CONY
A lenda dos lados perdidos

RIO DE JANEIRO - Gosto dos textos que começam assim: "Reza a lenda...". Acho melhor do que o "era uma vez", que me parece um pleonasmo. Apelando-se para a lenda, a história a ser contada não é de nossa responsabilidade.
Sendo assim, vamos ao assunto.
Reza a lenda que o imperador dos caranguejos um dia cismou com os hábitos de sua espécie e decretou que os caranguejos ficariam proibidos de andar para trás. Só poderiam ir para a frente. O imperador acreditava que, além de ser um progressista, era também um otimista.
Acontece que, tal como no Brasil, algumas leis são para pegar, outras não. Uma ONG entrou com liminar, alegando que o decreto violava o direito de ir e vir, garantido pela Declaração Universal dos Caranguejos e Assimilados, que incluíam os siris.
O imperador pressionou o Judiciário, a liminar foi negada até que a questão fosse julgada em seu mérito. Foram baixadas leis ordinárias, tão ordinárias que nem provisórias eram, punindo aqueles que andassem para trás.
Na verdade, nem um caranguejo foi apanhado andando para trás, mas todos continuaram andando para os lados, o que era uma forma de desobedecer ao imperador, que obrigava a todos os caranguejos e assimilados a andar somente para a frente.
Foi então que justamente um assimilado, um velho siri-candeia, cor de fogo e de imensas patas, entrou com uma consulta ao Tribunal de Apelação, apelando a que o imperador, sem qualquer apelação, estabelecesse até que ponto se podia andar para os lados sem ser para trás.
Reza a lenda que, passados cinco séculos, a questão continua em aberto. Ninguém conseguiu precisar o que é "para trás" e o que é "para os lados".
PS - O cronista ficará ausente da coluna por 15 dias, andando para os lados.



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