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CARLOS HEITOR CONY
A lenda dos lados perdidos
RIO DE JANEIRO - Gosto dos textos que começam assim: "Reza a lenda...". Acho melhor do que o "era
uma vez", que me parece um pleonasmo. Apelando-se para a lenda, a
história a ser contada não é de nossa
responsabilidade.
Sendo assim, vamos ao assunto.
Reza a lenda que o imperador dos
caranguejos um dia cismou com os
hábitos de sua espécie e decretou que
os caranguejos ficariam proibidos de
andar para trás. Só poderiam ir para
a frente. O imperador acreditava
que, além de ser um progressista, era
também um otimista.
Acontece que, tal como no Brasil,
algumas leis são para pegar, outras
não. Uma ONG entrou com liminar,
alegando que o decreto violava o direito de ir e vir, garantido pela Declaração Universal dos Caranguejos e
Assimilados, que incluíam os siris.
O imperador pressionou o Judiciário, a liminar foi negada até que a
questão fosse julgada em seu mérito.
Foram baixadas leis ordinárias, tão
ordinárias que nem provisórias
eram, punindo aqueles que andassem para trás.
Na verdade, nem um caranguejo
foi apanhado andando para trás,
mas todos continuaram andando
para os lados, o que era uma forma
de desobedecer ao imperador, que
obrigava a todos os caranguejos e assimilados a andar somente para a
frente.
Foi então que justamente um assimilado, um velho siri-candeia, cor de
fogo e de imensas patas, entrou com
uma consulta ao Tribunal de Apelação, apelando a que o imperador,
sem qualquer apelação, estabelecesse
até que ponto se podia andar para os
lados sem ser para trás.
Reza a lenda que, passados cinco
séculos, a questão continua em aberto. Ninguém conseguiu precisar o que
é "para trás" e o que é "para os lados".
PS - O cronista ficará ausente da coluna por 15 dias, andando para os lados.
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