São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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MEMÓRIA

Nova geração de historiadores da Alemanha supera traumas e preconceitos e amplia análise dos crimes nazistas

Alemães expandem estudo do Holocausto

NICOLAS WEILL
DO ""LE MONDE"

Embora a historiografia do Holocausto tenha sido dominada por muito tempo por americanos ou israelenses, alguns historiadores na Alemanha, desde muito cedo, consagraram obras importantes para a análise do regime nazista, começando por um opositor deportado, o intelectual católico Eugen Kogon, autor de ""L'État SS" (o Estado SS, 1946). Em 1949 foi criado o Instituto de História Contemporânea de Munique (IHC), cujos trabalhos tratavam, em sua maioria, do período nazista. O Instituto de Pesquisas Sociais de Hamburgo, fundado em 1984 por Jan Philipp Reemtsma, também teve papel importante.
Martin Broszat, que dirigiu o IFZ, ou Hans Mommsen, líder na Alemanha da escola dita ""funcionalista" (que explicava a ""solução final" pela mecânica da guerra e do regime, não pela intenção de seus autores), são algumas das figuras importantes da historiografia do nazismo. Mas outra geração de pesquisadores virou essas pesquisas de ponta-cabeça. Na verdade, ela tem dificuldade em encontrar lugar na universidade alemã, tanto que vários de seus proponentes entraram para universidades americanas.
Nascidos muito após o conflito, alguns desses historiadores estiveram estreitamente vinculados ao movimento de 1968 alemão, como é o caso do historiador e jornalista Götz Aly ou de Karl-Heinz Roth. ""Trata-se de um grupo?" pergunta o historiador berlinense Peter Schottler (Instituto de História do Tempo Presente, IHTP). ""Todos se conhecem, mas suas trajetórias políticas divergem. Alguns são antigos líderes estudantis, como Roth; outros, mais jovens, estiveram próximos dos Verdes e dos chamados "ateliês de história"."
Apesar de suas trajetórias distintas, o efeito de grupo vem do fato de esses historiadores contribuírem para obras coletivas provocadas pela abertura dos arquivos do leste. Assim, a publicação do ""Calendrier d'Himmler" (calendário de Himmler) agrupou vários nomes dessa nova história, como Christian Gerlach, Dieter Pohl e Michael Wildt.

Raízes comuns
Götz Aly é também autor, com Christian Gerlach, de um trabalho recente sobre a deportação dos judeus da Hungria em 1944, ""Das Letzte Kapitel" (o último capítulo). Este mostra que os pesquisadores não hesitam mais em aventurar-se por territórios externos à história alemã.
Podemos também encontrar raízes comuns dessa ""nova escola" nos trabalhos do sociólogo alemão emigrado aos EUA Franz Neumann, o primeiro que, em seu livro ""Behemoth", de 1942, pôs em evidência a multiplicação das instâncias de decisão no interior do regime nazista.
Muitos também leram a obra do sociólogo britânico de origem polonesa Zygmunt Bauman, que, em ""Modernité et Holocauste" (modernidade e Holocausto), procurou destacar a relação entre a racionalidade moderna e o empreendimento nazista de destruição. Para Pieter Lagrou, da Universidade Livre de Bruxelas, esses historiadores praticam ""uma crítica dos conceitos fundamentados na noção de singularidade do genocídio". Longe de ter sido um acontecimento que poderia ser tratado por si só ou explicado exclusivamente pelo anti-semitismo alemão, o assassinato dos judeus da Europa deve, para ele, ser revisto no contexto da política nazista de restruturação (especialmente étnica) da Europa.
Assim, em ""Endlösung" (solução final), Götz Aly mostrou como as deportações de judeus, assim como o extermínio sistemático dos doentes mentais sob o programa T4, estavam vinculados à decisão de ""reintegrar" ao território do Reich os ""alemães étnicos" dispersos pelo leste da Europa.
Essas novas abordagens também remetem a especialistas e intelectuais: em 1940, geólogos garantiram que o solo de Madagascar era suficientemente pobre em recursos minerais para que se cogitasse em promover a deportação em massa dos judeus para lá. Vários estudiosos puseram seu saber a serviço de uma reformulação dos perfis demográficos de uma Europa submetida ""manu militari" a um redesenho no qual os judeus não tinham mais lugar.
O cruzamento sistemático das fontes alemãs com documentos poloneses, ucranianos e judeus é outra característica dessas novas abordagens. Assim, Michael Esch, pesquisador do Centro Marc Bloch (Berlim), cruzou os arquivos alemães com as fontes deixadas pelos médicos judeus do gueto de Varsóvia para estudar a política sanitária do Reich na Polônia.
O interesse surgido nos anos 90 pelas espoliações e pelo roubo de bens dos judeus acabou levando alguns especialistas a estudar os fatores econômicos, não só ideológicos, da violência em massa.


Tradução de Clara Allain


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