São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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CRISE
Presidente da constituinte diz que vai impedir congressistas de realizar sessão extraordinária hoje
Assembléia faz novo desafio à oposição

ELIANE CANTANHÊDE
enviada especial a Caracas

O presidente da ANC (Assembléia Nacional Constituinte), Luis Miquelena, 83, afirmou ontem à Folha que não permitirá que o Congresso realize sessão extraordinária hoje para questionar o excesso de poderes da constituinte.
"Aqui eles não entrarão", disse Miquelena sobre a insistência de os partidos de oposição, Copei (democrata-cristão) e Ação Democrática (social-democrata), de interromper hoje o recesso auto-imposto do Congresso.
"Tomaremos todas as medidas necessárias para impedir a sessão", adiantou ele. Na opinião dele, a constituinte é soberana e qualquer tentativa do Congresso de julgar seus atos é "absolutamente intolerável".
Miquelena é uma espécie de eminência parda do regime do presidente Hugo Chávez. Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - Como a constituinte vai reagir amanhã (hoje) se o Congresso insistir em fazer uma sessão extraordinária?
Luis Miquelena -
Eles não podem fazer isso. O direito a sessões foi modificado por uma decisão da ANC, que é soberana para decidir isto. Se eles tentarem, não terão acesso aos locais, aos plenários. Aqui eles não entrarão.
Precisam entender que nossa intenção é ter uma convivência pacífica com os Poderes constitucionais, mas defenderemos primeiro a soberania da ANC.

Folha - O sr. vai convocar a polícia, a população?
Miquelena -
Não será necessário. Não se preocupe. Temos quadros suficientes aqui na ANC.

Folha - A ANC e o Congresso estão tentando negociar?
Miquelena -
O diálogo estava ocorrendo. Por isso, surpreendeu-nos o anúncio de que eles tentariam fazer uma sessão extraordinária. Achei acintoso.
As decisões da ANC são apoiadas em acordos anteriores. A convocação de uma sessão extraordinária para julgar agora os atos da constituinte é uma circunstância absolutamente intolerável.

Folha - A renúncia da presidente da Corte Suprema, Cecilia Sosa, precipitou o confronto da ANC com o Congresso?
Miquelena -
Se dá à atitude dela uma importância que na verdade não tem. A Corte continua funcionando, com todo respeito à sua autoridade por parte da ANC.
O mandato dessa senhora já estava vencendo, ela já estava mesmo sendo substituída. Ela apenas se antecipou aos fatos naturais.

Folha - No Brasil, é difícil entender como a ANC fala em democracia e ao mesmo intervém no Congresso e no Judiciário. Como o sr. justifica isso?
Miquelena -
Estamos numa situação de crise, tanto na Justiça quanto no Congresso, com um grau altíssimo de corrupção. Toda a população reclamava corretivos. É isso que estamos fazendo.

Folha - Como o sr. responde à acusação da oposição de que a intervenção da ANC nos Poderes é um golpe de Estado?
Miquelena -
Rejeitamos cabalmente. Todas as medidas estão dentro do Estado de Direito, respeitando, sim, a independência dos demais Poderes.
Só os delitos e os delinquentes serão atingidos. As medidas para afastá-los, eliminá-los, serão contra aqueles que têm expedientes seguros que comprovam graves, conhecidas e reiteradas acusações. Em todos os casos, serão substituídos por seus suplentes.

Folha - Na "Regulação das Funções do Poder Legislativo", de anteontem, a ANC avoca a si o direito, que era do Congresso, de destituir governadores. As punições às quais o sr. se referiu valem para eles?
Miquelena -
Não. Estou falando, agora, exclusivamente do Poder Judiciário, dos delitos do Poder Judiciário. E ontem (quarta), tomou-se também as medidas cabíveis no Poder Legislativo, porque houve uma tentativa de questionar o poder da ANC.

Folha - Uma constituinte é criada para fazer uma nova constituição ou para assumir o poder, como na Venezuela?
Miquelena -
Há uma diferença entre Assembléia Constitucional, que pode estritamente redigir uma nova Carta Magna, e constituinte, que tem poderes mais amplos. Este é o caso da Venezuela.
O artigo 1� trata do "caráter originário" da Constituinte, para reestruturar os Poderes e introduzir as mudanças necessárias ao bom funcionamento das instituições. Além da tarefa central de escrever a nova Carta.

Folha - Se a economia fugir totalmente ao controle, o governo e a ANC vão poder sustentar todo esse poder de agora?
Miquelena -
O governo Hugo Chávez tem tomado medidas importantíssimas na área da economia, para garantir estabilidade, gerar empregos, atrair investimentos. Mas, infelizmente, ninguém vê. Todos preferem ver apenas as dificuldades políticas.

Folha - A crise política interfere na crise econômica e vice-versa. Quais são as chances de dar certo?
Miquelena -
O problema é que temos inimigos que tentam colocar obstáculos. Temos sempre que estar sempre como um cavalo fogoso, trotando, soltando todos esses obstáculos. E vamos vencer.


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