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HAITI EM RUÍNAS
Desabrigados resistem a abandonar Porto Príncipe
Parte dos refugiados teme que abrigo temporário dificulte o recomeço da vida
Em contrapartida, 235 mil pessoas deixaram a capital haitiana, e governo quer abrigar 400 mil cidadãos em acampamentos periféricos
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Com as buscas por sobreviventes praticamente encerradas e o foco mudando para o
reassentamento dos desabrigados, o Haiti e a ONU têm de enfrentar a ira de pessoas como o
padre vodu Dessaiville Espady.
"Não vou sair daqui para um
lugar que nem sei onde fica!",
diz, exaltado, o morador de
uma tenda numa praça em Delmas 2, bairro central de Porto
Príncipe.
Duas semanas após o terremoto, há milhares de desabrigados tomando as praças da capital haitiana. Ontem, o governo disse querer realocar nesta
semana ao menos 400 mil sobreviventes em acampamentos
na periferia da cidade. Mas a
ideia de se mudar desagrada
mesmo a quem passa o dia em
ruas imundas.
O medo é que não seja um alívio temporário, mas uma mudança definitiva de endereço,
longe de empregos e da possibilidade de recomeçar a vida.
Em muitos casos, residências
e negócios não desabaram, mas
racharam. Muitos querem dinheiro para reconstruir seus
imóveis. "O governo deveria
nos dar recursos e parar de
enrolar tanto", diz Marie Charlie Espadiee, que mora com o
marido e duas crianças numa
tenda em Delmas.
As estimativas da ONU são
que 1 milhão de pessoas ficaram desabrigadas no Haiti, e
700 mil delas estão vivendo nas
ruas de Porto Príncipe (que tinha 2 milhões de habitantes
antes do terremoto). Cerca de
30 mil casas, a maioria no centro da capital haitiana, ficaram
completamente destruídas, e
um número indefinido está
comprometido.
Áreas nas cercanias de Porto
Príncipe estão sendo identificadas para a construção de
acampamentos com estrutura
um pouco melhor, incluindo
luz, saneamento, creches e postos de saúde. Financiado pelo
BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), o primeiro
está sendo feito pelo Exército
brasileiro em Croix des Bouquets, a 30 km do centro -mais
de duas horas de distância no
trânsito travado da cidade.
Segundo o plano do governo,
as primeiras famílias seriam removidas nos próximos dias. No
futuro, os acampamentos se
transformariam em bairros residenciais, ao redor dos quais se
formariam zonas comerciais e
industriais, mudando o planejamento urbano da capital e
descongestionando o centro.
Mas é um projeto para décadas, que não é suficiente para
acalmar os nervos de uma população traumatizada. "Croix
des Bouquets vai ser longe demais para mim. Aqui é onde vivi
minha vida inteira", diz Jesimene Desir, desabrigada que
vende pão numa praça perto do
palácio presidencial.
Ir para um lugar afastado não
agrada a ninguém, mas é possível identificar algumas nuances
entre os desabrigados. Quem
estava estabelecido, tocando algum negócio, reage de maneira
irada ao plano do governo.
Mas quem tinha uma vida
sem estabilidade ou residência
fixa se mostra mais maleável.
"O mais importante é sair daqui", diz Jeanne Jerisela, que
morava de favor com uma tia.
Jonas Pierre, que fazia bicos
como motorista, também aceitaria o sacrifício. "Consigo emprego em qualquer lugar", diz.
Segundo o governo, mais de
235 mil pessoas já deixaram
Porto Príncipe num programa
estatal de transporte gratuito.
A estimativa -incerta- de
mortos no terremoto permanecia ontem em 150 mil, cifra que
poderia chegar a 200 mil com
os cadáveres sob os escombros.
Policiais europeus
Em meio a críticas por prestar um auxílio tímido ao Haiti, a
União Europeia anunciou ontem o envio de cerca de 300 policiais -de países como França,
Holanda, Itália e Espanha- para ajudar a ONU na distribuição da ajuda humanitária e na
segurança do Haiti. A UE também montará, em Bruxelas, um
escritório para coordenar a ajuda ao país.
Ainda em Bruxelas, a Comissão Europeia pediu aos Estados-membros da UE "prudência" na hora de acelerar a adoção de órfãos haitianos, já que a
situação familiar de muitos deles ainda é desconhecida. Grupos humanitários dizem que os
órfãos do terremoto estão sob
perigo crescente de tráfico humano e adoção ilegal.
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