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DE VOLTA AO PASSADO
Mesmo após mais de meio século, italianos ainda têm dificuldade de ser objetivos sobre o governo de Benito Mussolini
Itália ainda luta contra o legado histórico fascista
ANDREW GUMBEL
do "The Independent"
Há 75 anos Benito Mussolini lan
çou sua marcha sobre Roma e to
mou o poder na Itália. A revolução
fascista que chefiou se prolongou
por mais de duas décadas, mas se
mostrou tão traumática e provo
cou tantas divisões que a Itália até
hoje ainda não se reconciliou com
essa parte de seu legado histórico.
Alguns anos atrás, a estudante de
arquitetura Silvia Fadda apresen
tou uma brilhante tese de gradua
ção na Universidade de Florença.
Seu tema era o planejamento urba
no durante a era fascista.
Os professores que formaram a
banca explicaram que, normal
mente, ela teria recebido nota dez
com louvor, mas pediram que ela
fizesse uma crítica ao fascismo co
mo prática política. Ela observou
que a tese não era sobre política,
mas pretendia fazer uma avaliação
arquitetônica objetiva de uma ci
dade na Sardenha no final da déca
da de 30. O presidente da banca
não aceitou a posição: "Ainda é
cedo para uma tese desse tipo."
Fadda não recebeu a nota máxima.
O período fascista ainda ame
dronta e divide a Itália. A guerra
acabou há mais de meio século,
mas historiadores, políticos, aca
dêmicos e colunistas de jornais
ainda enxergam e tratam o fascis
mo com tremenda apreensão, rea
firmando posturas ideológicas e
acrescentando apenas um pouco
de análise histórica imparcial.
Os herdeiros da resistência anti
fascista -a esquerda e os demo
cratas-cristãos- temem falar de
Mussolini em qualquer tom senão
o da condenação total. Quem pro
cura discutir aspectos "bons" do
período fascista não demora a ser
tachado de apologista e neofascista
-o que costuma ser verdade.
Até hoje nenhum relato real
mente objetivo do fascismo foi es
crito por um italiano. Para um país
que parece estar tão à vontade com
sua identidade -em contraste
agudo com a Alemanha-, a Itália
ainda tem muita bagagem difícil
da qual se desvencilhar.
Boa parte da dificuldade se expli
ca pela maneira com que o fascis
mo se desintegrou. Nos dois últi
mos anos da guerra, a Itália viveu
uma amarga divisão entre os
"partigiani", que contavam com o
apoio dos aliados, e os partidários
da chamada República de Saló, o
Estado fascista fantoche controla
do pela Alemanha nazista.
A nova Itália, que emergiu dos
escombros da guerra, era funda
mentada numa ideologia antifas
cista que, em pouco tempo, per
meou a sociedade italiana inteira.
Nos últimos anos foram feitos al
guns avanços, especialmente com
o final da Guerra Fria e da decom
posição, no início dos anos 90, da
ordem política erguida pelos de
mocratas-cristãos no pós-guerra.
Pela primeira vez o PDS, herdei
ro do Partido Comunista, reco
nheceu alguns dos aspectos mais
vergonhosos dos "partigiani", es
pecialmente a cumplicidade no
massacre de civis pelas tropas iu
goslavas do marechal Tito na re
gião de Trieste, em 1945.
Quando o atual governo de cen
tro-esquerda assumiu o poder, o
presidente da Câmara de Deputa
dos, Luciano Violante, fez um dis
curso impressionante, dizendo
que era hora dos italianos pararem
de enxergar a si mesmos e a suas
famílias como vencedores ou per
dedores na guerra civil de 1943-45.
A predecessora de Violante na
presidência da Câmara, Irene Pi
vetti, provocou uma enxurrada de
críticas em 1994, quando falou em
público sobre os benefícios que o
fascismo trouxe às mulheres.
A grande imprensa republicou
cada parágrafo da legislação dis
tintamente antifeminista dos di
reitos trabalhistas das mulheres,
promulgada por Mussolini, mas
não mencionou o fato de que o fas
cismo tirou as mulheres de casa e
das tristes roupas negras que a
Igreja Católica as encorajava a
usar, oferecendo a elas as primei
ras oportunidades de praticar es
portes e participar da vida pública,
mesmo que com restrições.
Pouco é dito sobre o legado ar
quitetônico ou as grandes obras
públicas deixadas pelos fascistas,
tais como a ampliação da malha
ferroviária ou a drenagem dos
pântanos Pontine, perto de Roma.
É raro o italiano que admite que
o fascismo, apesar de todos os seus
horrores, inegavelmente contri
buiu em muito para fazer a Itália
ingressar no mundo moderno.
O fato de o fascismo ter sido mui
to popular nos seus primeiros 15
anos ainda é motivo de profundo
constrangimento para os italianos,
e não uma questão que mereça co
mentários ou reflexão.
Tradução de Clara Allain
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