São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

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GUERRA SEM LIMITES

Investigação criminal feita pelo Exército dos EUA aponta repetidos maus-tratos a presos em Bagram

Americanos torturaram afegãos até a morte

Dylan Martinez/Reuter
Com Alcorão, muçulmano participa de protesto em frente à Embaixada dos EUA em Londres


TIM GOLDEN
DO "NEW YORK TIMES"

O jovem afegão estava morrendo diante deles, mas mesmo assim seus captores americanos continuaram a torturá-lo.
O prisioneiro, um taxista magro de 22 anos conhecido apenas como Dilawar, foi arrastado de sua cela no centro de detenção de Bagram, no Afeganistão, por volta das 2h, para responder a perguntas sobre um ataque de foguete contra uma base americana. Quando chegou à sala de interrogatório, disse um intérprete presente, suas pernas se agitavam incontrolavelmente na cadeira plástica, e suas mãos estavam entorpecidas. Dilawar passara boa parte dos quatro dias anteriores preso pelos pulsos ao teto de sua cela.
O prisioneiro pediu para tomar água, e um dos dois interrogadores, Joshua R. Claus, 21, pegou uma garrafa plástica de água. Mas primeiro, disse o intérprete, fez um buraco no fundo da garrafa, de modo que, enquanto o prisioneiro tentava abrir a tampa, a água jorrava sobre seu uniforme laranja. Então o soldado tomou a garrafa e começou a esguichar água sobre o rosto de Dilawar.
Atendendo a uma ordem dos interrogadores, um guarda policial militar tentou forçar o rapaz a se ajoelhar. Mas suas pernas, que durante vários dias haviam sido golpeadas pelos guardas, não conseguiam mais se dobrar. Um interrogador disse a Dilawar que ele poderia ser atendido por um médico depois que eles tivessem terminado com ele. Quando ele foi enviado de volta à cela, porém, os guardas foram instruídos a acorrentá-lo ao teto outra vez.
Várias horas se passaram antes que um médico de emergência finalmente examinasse Dilawar. Mas então ele já estava morto. Muitos meses se passariam antes que investigadores do Exército se inteirassem de um último detalhe assustador: a maioria dos interrogadores acreditava que Dilawar fosse um inocente que apenas passara com seu táxi diante da base americana na hora errada.
A história da morte brutal de Dilawar em Bagram -e também da morte de outro detento, Habibullah, ocorrida seis dias antes- emerge de um arquivo de quase 2.000 páginas resultante da investigação criminal feita pelo Exército, uma cópia do qual foi obtida pelo "New York Times".
Como se fosse uma contrapartida narrativa das imagens digitais vindas de Abu Ghraib, o arquivo sobre Bagram mostra soldados jovens e mal treinados envolvidos em repetidos incidentes de maus-tratos contra prisioneiros, que foram muito além das duas mortes e resultaram em acusações criminais contra sete soldados.
Em algumas instâncias, como indicam os depoimentos, os maus-tratos foram dirigidos ou cometidos por interrogadores com o intuito de extrair informações dos prisioneiros. Em outros casos, eram castigos aplicados por guardas policiais militares. Em alguns casos as torturas parecem ter sido motivadas por tédio, por crueldade ou pelas duas coisas.
Em declarações juramentadas, soldados descrevem uma interrogadora que gostava de humilhar presos pisando sobre o pescoço de um detento prostrado no chão e chutando outro em sua genitália. Falam de um prisioneiro acorrentado sendo forçado a rolar de um lado a outro do chão de uma cela, beijando as botas dos interrogadores. Outro prisioneiro era obrigado a tirar tampas de garrafas plásticas de um tambor cheio de fezes e água, como parte de uma estratégia para "amolecê-lo".
Embora incidentes de maus-tratos de presos em Bagram, incluindo detalhes sobre a morte dos dois homens, já tenham sido relatados antes, autoridades americanas os haviam descrito como problemas isolados que foram investigados minuciosamente.
Mas o arquivo sobre Bagram inclui vários depoimentos indicando que os maus-tratos cometidos por alguns interrogadores eram rotineiros, e que os guardas podiam espancar detentos acorrentados com virtual impunidade.
Em outubro passado, o Exército concluiu que 27 oficiais e militares podem ser acusados pelo caso de Dilawar. As acusações vão desde abandono do dever até mutilação e homicídio culposo. Quinze dos mesmos soldados também foram citados como tendo provável responsabilidade criminosa no caso de Habibullah. Até agora, apenas sete soldados foram formalmente acusados. Não houve nenhuma condenação.

Tradução de Clara Allain

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