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IRAQUE SOB TUTELA
Governo pró-ocidental afirma que a responsabilidade pelo conflito da década de 80 foi de Saddam
Iraque admite culpa na guerra com o Irã
ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"
Dezessete anos após um conflito
que se arrastou por oito anos e
matou cerca de 1,5 milhão de jovens, veio a revelação: a guerra foi
ganha pelo Irã.
Durante toda a luta entre as forças invasoras do Iraque, sob o comando de Saddam Hussein -encorajado, é claro, pelos Estados
Unidos- e as tentativas desesperadas e suicidas feitas pela Revolução Islâmica iraniana de defender seu país, o aiatolá Khomeini
insistiu que o mundo precisava e
devia reconhecer que o agressor
era de fato Saddam. Agora, finalmente, o Iraque o reconheceu.
O novo governo xiita do Iraque
-pelo qual, é claro, devemos
agradecer aos Estados Unidos-
admitiu tranqüilamente que o
Iraque foi o agressor, sim, que a
culpa foi de Saddam Hussein. Ele
foi o único responsável. Os iraquianos foram os bandidos da
história, e os iranianos, os mocinhos.
Foi uma guerra de espelhos. Ao
longo de toda a Guerra entre Irã e
Iraque, de 1980-88 -na qual Saddam, como é sabido, usou gás letal em massa pela primeira vez
desde um conflito igualmente
épico, a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918)-, nós, ocidentais,
apoiamos Saddam. Nós lhe fornecemos armas, fotos aéreas, gás
-principalmente a Alemanha, é
claro, mas também os EUA-, tudo pago por aquela famosa democracia do golfo e aliada dos EUA, a
Arábia Saudita.
No início da guerra, Saddam
Hussein chamou sua agressão de
"a Guerra Vendaval". Ela iria, supostamente, pulverizar a recém-nascida, ingênua e expansionista
República Islâmica -foi por isso,
aliás, que o Ocidente apoiou Saddam -e derrubar Khomeini do
poder, possivelmente até mesmo
reinstalando o xá moribundo em
seu trono.
Demonstrando possuir maior
senso de realidade, os iranianos
chamaram o conflito de "a Guerra
Imposta", que foi o que ela de fato
foi. Eles imploraram às Nações
Unidas para que condenassem
Saddam. Mas o que ganharam em
troca foram pedidos por moderação, o mesmo tipo de coisa que o
Departamento de Estado dos
EUA emprega em outras áreas
"delicadas", onde aliados-chave
dos Estados Unidos correm riscos
-vejam-se os casos de Israel/Palestina e do Uzbequistão.
O fato de o maior agressor de todos, Saddam Hussein Tikriti, agora estar sendo tratado com desprezo verdadeiramente árabe
constitui apenas parte da ironia.
Que ele seja mostrado na primeira página do jornal sensacionalista e popular britânico, "The Sun",
de cueca samba-canção, com certeza é menos degradante para o
povo que já foi seu do que os iraquianos serem empilhados, nus,
no chão da prisão de Abu Ghraib
por americanos, ou obrigados a
usar calcinhas femininas, mordidos por cães ou simplesmente
abatidos a tiros em barreiras policiais por tropas americanas, ou
então despedaçados por homens-bomba. Para usar o psicojargão
em voga, os iraquianos "já passaram adiante".
Não, eles não precisam "encerrar a questão". A maioria deles
não se importa se Saddam vive ou
morre. Eles querem segurança,
luz elétrica, um Estado real. E ainda não o têm.
É típico de nós, ocidentais,
acharmos que Saddam ainda seja
nosso verdadeiro inimigo, num
momento em que o Iraque é capaz de produzir homens-bomba e
um exército -provavelmente o
Exército iraquiano original de
Saddam - para atacar soldados
americanos e britânicos. Sim,
Saddam foi culpado. Ele foi a razão de nossa invasão ilegal do Iraque. Ou será que não foi? A coisa
está ficando cansativa.
Armas de destruição em massa.
Vínculos com o 11 de Setembro.
Avisos com antecedência de 45
minutos. Talvez não. Mas agora já
podemos dizer o que nunca antes
dissemos: invadimos o Iraque ilegalmente porque -dentro em
breve este será o novo "leitmotiv"- Saddam invadiu o Irã ilegalmente.
Poderia a coisa ficar melhor do
que isso?
Tradução de Clara Allain
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