São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Imagem prejudica negociação secreta, diz analista

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A publicação das fotos de Saddam Hussein em cuecas compromete a negociação secreta dos Estados Unidos com a insurgência, pelas quais Saddam não seria condenado à morte se os insurgentes aceitassem depor armas.
É o que disse à Folha o ensaísta indiano radicado em Londres Dilip Hiro, autor de 27 livros sobre a Ásia e o Oriente Médio e especialista sobretudo em Iraque. Entre seus trabalhos está "Secrets and Lies: Operation Iraqi Freedom and After" (segredos e mentiras: operação liberdade iraquiana e conseqüências).
Ele também disse que, em sua recente viagem ao Iraque, o secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, teria se encontrado secretamente com o próprio Saddam, no quadro das negociações por um cessar-fogo.
Eis sua entrevista.

 

Folha - Quais os efeitos no Iraque da publicação das fotografias em que o ex-ditador Saddam Hussein aparece vestindo só cuecas?
Dilip Hiro -
Tudo o que envolve Saddam provoca no Iraque duas reações diametralmente opostas. No caso dessas fotos, os xiitas e os curdos concordarão que o ex-tirano deva ser humilhado. Querem vê-lo condenado e enforcado. É o que também pensa uma parcela dos sunitas. Mas há também outros sunitas, talvez majoritários, solidários com o ex-líder porque ele foi exposto de uma forma tão negativa.

Folha - Será que o presidente Bush não teme os efeitos desastrosos da divulgação dessas fotos, já que ele reagiu enfurecido?
Hiro -
Há sempre câmaras monitorando Saddam. Um dispositivo interno de TV registra seus movimentos 24 horas por dia. Mas as fotos publicadas têm uma qualidade que o monitoramento por TV não possui. São fotos tiradas por algum militar americano.

Folha - Como justificar a reação violenta da Casa Branca?
Hiro -
Há informações de que os EUA negociam com setores da insurgência um cessar-fogo, em troca do compromisso de não permitir que Saddam seja condenado à pena de morte. Informantes iraquianos me disseram que, secretamente, Donald Rumsfeld [secretário da Defesa americano] teria se avistado pessoalmente com o próprio Saddam em sua última visita a Bagdá. A divulgação dessas fotos prejudica tais negociações. A insurgência acreditará que os EUA não a levam a sério.

Folha - Eles acreditarão que o governo americano está por detrás da divulgação?
Hiro -
Justamente. Eles não entrarão na análise das circunstâncias pelas quais as fotografias vazaram para a mídia. E tendem a interromper uma negociação que ainda não veio a público.

Folha - Condoleezza Rice, que também esteve recentemente no Iraque, participou do plano?
Hiro -
Pelo que eu sei, o objetivo dela foi outro. Ela se avistou sigilosamente com lideranças curdas, que exigiram a radical "debaathificação" [neutralização dos quadros do Partido Baath, de Saddam] no país. Os curdos argumentaram que Iyad Allawi [premiê do governo anterior] havia "rebaathificado" o Iraque, sob o argumento de que era necessário equipar o Estado com dirigentes qualificados sunitas, até nas Forças Armadas. Uma das idéias básicas dos americanos é dar mais poderes à oficialidade ligada no passado ao partido Baath, desde que ela se disponha lutar de modo eficiente contra a insurgência.

Folha - Qual a relação das fotos com essa segunda negociação?
Hiro -
A relação é bastante simples: os baathistas deixarão de confiar nos americanos. Eles se sentirão humilhados pelas fotos de Saddam.

Folha - Ou seja, foi um mau negócio para Washington.
Hiro -
Sem dúvida alguma. Trata-se de algo de extrema inconveniência para os planos americanos. Para os sunitas e sobretudo para os baathistas, Saddam foi novamente humilhado. Ele já o tinha sido por meio das imagens liberadas logo depois de sua prisão, quando foi examinado como se fosse um animal capturado.


Texto Anterior: Especialistas se dividem sobre culpa dos EUA
Próximo Texto: Iraque sob tutela: Iraque admite culpa na guerra com o Irã
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.