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Imagem prejudica negociação secreta, diz analista
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A publicação das fotos de Saddam Hussein em cuecas compromete a negociação secreta dos Estados Unidos com a insurgência,
pelas quais Saddam não seria
condenado à morte se os insurgentes aceitassem depor armas.
É o que disse à Folha o ensaísta
indiano radicado em Londres Dilip Hiro, autor de 27 livros sobre a
Ásia e o Oriente Médio e especialista sobretudo em Iraque. Entre
seus trabalhos está "Secrets and
Lies: Operation Iraqi Freedom
and After" (segredos e mentiras:
operação liberdade iraquiana e
conseqüências).
Ele também disse que, em sua
recente viagem ao Iraque, o secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, teria se encontrado secretamente com o próprio
Saddam, no quadro das negociações por um cessar-fogo.
Eis sua entrevista.
Folha - Quais os efeitos no Iraque
da publicação das fotografias em
que o ex-ditador Saddam Hussein
aparece vestindo só cuecas?
Dilip Hiro - Tudo o que envolve
Saddam provoca no Iraque duas
reações diametralmente opostas.
No caso dessas fotos, os xiitas e os
curdos concordarão que o ex-tirano deva ser humilhado. Querem vê-lo condenado e enforcado. É o que também pensa uma
parcela dos sunitas. Mas há também outros sunitas, talvez majoritários, solidários com o ex-líder
porque ele foi exposto de uma forma tão negativa.
Folha - Será que o presidente
Bush não teme os efeitos desastrosos da divulgação dessas fotos, já
que ele reagiu enfurecido?
Hiro - Há sempre câmaras monitorando Saddam. Um dispositivo
interno de TV registra seus movimentos 24 horas por dia. Mas as
fotos publicadas têm uma qualidade que o monitoramento por
TV não possui. São fotos tiradas
por algum militar americano.
Folha - Como justificar a reação
violenta da Casa Branca?
Hiro - Há informações de que os
EUA negociam com setores da insurgência um cessar-fogo, em troca do compromisso de não permitir que Saddam seja condenado
à pena de morte. Informantes iraquianos me disseram que, secretamente, Donald Rumsfeld [secretário da Defesa americano] teria se avistado pessoalmente com
o próprio Saddam em sua última
visita a Bagdá. A divulgação dessas fotos prejudica tais negociações. A insurgência acreditará que
os EUA não a levam a sério.
Folha - Eles acreditarão que o governo americano está por detrás da
divulgação?
Hiro - Justamente. Eles não entrarão na análise das circunstâncias pelas quais as fotografias vazaram para a mídia. E tendem a
interromper uma negociação que
ainda não veio a público.
Folha - Condoleezza Rice, que
também esteve recentemente no
Iraque, participou do plano?
Hiro - Pelo que eu sei, o objetivo
dela foi outro. Ela se avistou sigilosamente com lideranças curdas,
que exigiram a radical "debaathificação" [neutralização dos quadros do Partido Baath, de Saddam] no país. Os curdos argumentaram que Iyad Allawi [premiê do governo anterior] havia
"rebaathificado" o Iraque, sob o
argumento de que era necessário
equipar o Estado com dirigentes
qualificados sunitas, até nas Forças Armadas. Uma das idéias básicas dos americanos é dar mais
poderes à oficialidade ligada no
passado ao partido Baath, desde
que ela se disponha lutar de modo
eficiente contra a insurgência.
Folha - Qual a relação das fotos
com essa segunda negociação?
Hiro - A relação é bastante simples: os baathistas deixarão de
confiar nos americanos. Eles se
sentirão humilhados pelas fotos
de Saddam.
Folha - Ou seja, foi um mau negócio para Washington.
Hiro - Sem dúvida alguma. Trata-se de algo de extrema inconveniência para os planos americanos. Para os sunitas e sobretudo
para os baathistas, Saddam foi
novamente humilhado. Ele já o tinha sido por meio das imagens liberadas logo depois de sua prisão,
quando foi examinado como se
fosse um animal capturado.
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