São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MULTIMÍDIA

"Xuxa colombiana" foge para Miami

ARMANDO ANTENORE
EM BOGOTÁ

Brasileiros, se a vêem de perto, dificilmente resistem à provocação: "Você é a Xuxa colombiana, não é?".
Ela sorri e, meio sem jeito, balança a cabeça -não, claro que não. Loira de olhos verdes, o corpo magro, mas bem definido, Claudia Gurisatti sabe que guarda semelhanças físicas com a apresentadora gaúcha. "Um dia, ainda vou comandar programas infantis. Está em meus planos. Juro."
Por ora, no entanto, "la Guri" -como costumam chamá-la- é uma das jornalistas de TV mais populares da Colômbia e talvez a mais controvertida. Tem 27 anos e já divide com os veteranos Darío Arizmendi e Yamid Amat a prerrogativa de influenciar decisivamente a opinião pública do país.
Uma influência que a empurrou para o exílio. Desde o final de janeiro, Claudia mora em Miami. Precisou deixar Bogotá às pressas, sob ameaças de morte.
Dos Estados Unidos, segue dirigindo e apresentando o programa "La Noche", de entrevistas. A RCN -rede que disputa a preferência dos colombianos com a Caracol- o exibe de segunda a quinta, das 22h30 às 23h.
A emissora montou em Miami um estúdio idêntico àquele que a jornalista ocupava na Colômbia. Pôde, assim, preservar a rotina do "La Noche". Os entrevistados continuam comparecendo à sede da RCN, em Bogotá, só que agora Claudia os interpela via satélite.
O sucesso do programa permanece intocado. São 3 milhões de espectadores por noite -ou 7,5% da população nacional. Quando tomou conhecimento de que "la Guri" se exilara, parte da audiência reagiu com paixão. Numa única semana, a jornalista recebeu 10 mil e-mails de solidariedade.
O conturbadíssimo quadro político-social da Colômbia não permite definir de onde saíram as ameaças contra Claudia. O conflito armado, que desde 1964 sacode o país e que provocou 35 mil mortes na última década, contabiliza hoje cinco protagonistas: duas guerrilhas de esquerda (as Farc e o ELN), um grupo paramilitar de extrema direita, o Exército regular e os chefões do narcotráfico.
Vários desses personagens já participaram do "La Noche". A principal marca do programa é discutir o tema mais quente do dia -o que, não raro, significa abraçar um barril de pólvora.
No ano passado, por exemplo, enquanto entrevistava o guerrilheiro Raúl Reyes, das Farc, Claudia o colocou em contato com as mães de duas crianças sequestradas pelos rebeldes. O debate não agradou à guerrilha.
Em outra ocasião, a jornalista abriu espaço para Carlos Castaño, chefe dos paramilitares, que se encontrava nas montanhas do norte colombiano, de onde controla cerca de 8.000 homens. Intelectuais consideraram a entrevista amena e acusaram "la Guri" de fazer o jogo da direita.
Há, ainda, quem julgue que Claudia cultiva excessiva proximidade com a equipe do presidente Andrés Pastrana, amigo do dono da RCN. O governo, aliás, sustenta que o plano para matar a jornalista partiu das Farc. Baseia a afirmação no depoimento de um guerrilheiro de 18 anos, o Pantera, acusado de assassinar o deputado Andrés Páez. Preso pelo crime em 27 de janeiro, o jovem teria revelado que também recebera a incumbência de eliminar Claudia.
Por causa de tal testemunho, o próprio governo a aconselhou a abandonar o país. A cúpula das Farc, porém, insiste que a organização não planejou a emboscada.
"Sinto-me perdida. Respeito a versão oficial, mas ninguém me garante que não haja outras coisas por baixo da mesa", disse Claudia à Folha no dia 2 de maio.
Ela estava secretamente em Bogotá -o primeiro regresso após três meses de afastamento. Veio para tratar de assuntos pessoais e logo voltou a Miami, aumentando a fila dos 14 jornalistas que desde 1999 fugiram da Colômbia. Nos últimos 20 anos, mais de cem profissionais do país morreram em atentados, de acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras.
Enfática, "la Guri" rejeita as insinuações de que corteja os paramilitares. "Absurdo. Não me ponho nem de um lado nem do outro. Como posso tomar partido em uma guerra tão sangrenta?"


Texto Anterior: Oriente Médio: Israel ataca áreas palestinas pelo 2� dia
Próximo Texto: Religão: Sucessão papal domina reunião de cardeais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.