São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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"Ameaça potencial" justifica sistema antimísseis dos EUA, diz analista

LEONARDO CRUZ
DE LONDRES

O governo norte-americano está exposto a ataques de adversários políticos que justificam a criação de um sistema de defesa antimísseis.
Essa é a opinião de Mats Berdal, um dos diretores do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), entidade independente, com sede em Londres, que, desde 1958, produz análises da geopolítica mundial, incluindo estudos sobre estratégias militares, controle de armas, segurança nacional e resolução de conflitos.
Na avaliação de Berdal, o presidente norte-americano, George W. Bush, tem motivos para querer o esvaziamento do Tratado Antimísseis Balísticos (TAB), assinado com a União Soviética em 1972 e que impede a construção do sistema.
"As "nações irresponsáveis", como diz Bush, possuem acesso cada vez mais fácil a armamentos e tecnologia poderosos", afirma Berdal.
Segundo o IISS, cerca de 30 países possuem ou tentam adquirir mísseis balísticos. Na avaliação do instituto, a Coréia do Norte, o Irã, o Iraque, a Síria e a Líbia são as ameaças potenciais aos Estados Unidos, devido às relações difíceis que têm com o país ou com seus aliados.
Berdal afirma que a Coréia do Norte, que se opõe à construção do escudo e tem mais de 150 mísseis de curto ou médio alcance, é o país com mais condições de atacar os EUA.
"Mas não acho que os norte-coreanos fariam isso agora ou em um futuro breve. É essencialmente potencial", avalia.
Ainda segundo o IISS, o Irã teria cerca de 600 mísseis, a maioria de curto alcance, e o Iraque possuiria cerca de 200 mísseis.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Berdal, em Londres, à Folha.

Folha - Há alguma ameaça real aos EUA que justifique a construção de um sistema de defesa antimísseis?
Mats Berdal -
Acredito que sim. Não há dúvida de que existe essa ameaça potencial derivada da proliferação do número de armas de destruição em massa no mundo. Hoje muitos países têm facilidade para adquirir armas e tecnologia necessárias para provocar grande dano. A Coréia do Norte, o Irã e o Iraque, por exemplo, seriam capazes de atacar os EUA. Mas isso não é tanto uma ameaça imediata, clara, presente, mas muito mais uma força potencial.

Folha - Mas se essa ameaça é só potencial, não é exagero dos EUA propor o novo sistema?
Berdal -
Essa é uma característica da política dos EUA com os republicanos, que sempre tentaram transmitir à população a idéia de que os EUA são invulneráveis.
E esse raciocínio é exatamente oposto ao TAB. Quando assinaram o acordo, EUA e URSS optaram por se expor ao máximo justamente para evitar ataques de qualquer lado.
Agora, os EUA perceberam que há uma crescente ameaça, representada por nações árabes, por exemplo.

Folha - E qual deveria ser a posição da Europa nesse caso?
Berdal -
A posição da Europa deve ser pragmática. O escudo antimísseis será criado, quer a Europa queira, quer não. Acho que nenhum governo deveria tentar impedir Washington de criar o sistema de defesa.
Acho que o melhor a fazer é dialogar com a Rússia e com outras nações que possam se sentir ameaçadas. Para esclarecer que é um sistema de defesa, não de ataque, e para evitar reações agressivas.

Folha - Mas o fato de os EUA terem lançado o projeto de criação do escudo já não passa uma postura agressiva?
Berdal -
É claro que os atos de Bush são muito diferentes das ações do democrata Bill Clinton, que tinha uma postura mais conciliadora.
Penso que esse foco intenso no programa de defesa antimísseis pode passar uma mensagem errada, de provocação, aos adversários políticos dos Estados Unidos, que podem sentir-se encorajados a reagir.

É possível supor que o governo Bush tenha criado o programa para poder investir pesadamente em sua indústria bélica, que conta com um poderoso lobby no Congresso americano?
Berdal -
Acho essa tese excessivamente conspiratória. É evidente que muitos lucrarão com esse novo sistema antimísseis, mas um dos argumentos do governo dos EUA é que, com uma defesa melhor, os gastos com armamentos seriam menores.


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