São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009

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SOB NOVA DIREÇÃO / ECOS DO PASSADO

Inspirado por Lincoln, Obama tem desafio como o de Roosevelt

Democrata se guia por responsável por abolição, mas encara crise econômica comparada à Grande Depressão dos anos 30

Analistas comparam novo presidente ainda a John Kennedy, por juventude e oratória, e Ronald Reagan, por representar mudança

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, chega ao poder hoje celebrado por feitos inéditos, mas também sobre as pegadas de alguns de seus mais memoráveis antecessores. Com a história em seu encalço, é inspirado por Abraham Lincoln, comparado a John Kennedy e principalmente desafiado por uma crise como foi Franklin D. Roosevelt.
É com Roosevelt (1933-1945) que os paralelos mais fortes são traçados, devido ao momento similar em que chegam ao poder. Roosevelt assumiu em meio à Grande Depressão; Obama assume em meio à pior crise econômica desde então.
Há similaridades também nas propostas para lidar com a economia, com fortes gastos públicos, maior regulação e um clima geral de intervencionismo. E, se foi provavelmente a Segunda Guerra -e não o New Deal- que acabou com a depressão, Obama lucraria em se apoiar nas estratégias de Roosevelt, dizem especialistas.
"Algumas propostas de Roosevelt foram economicamente ingênuas, mas politicamente significativas. Ele usou a crise para fortalecer seu partido e criou caminho para décadas de maioria democrata no Congresso", disse à Folha o cientista político Benjamin Ginsberg, autor de "American Government: Freedom and Power" (governo americano: liberdade e poder, W.W. Norton, 2002).
Outro ponto em comum é que, enquanto Roosevelt foi eleito após Herbert Hoover (1929-1933), que deixou o poder massacrado pela crise, Obama assume após George W. Bush, que termina o mandato com impopularidade superior a 80%. O que não se sabe é se o final do mandato será parecido. "Roosevelt é considerado um marco; é com ele que presidentes posteriores foram comparados", disse Matthew Crenson, professor de desenvolvimento político americano na Universidade Johns Hopkins. "É preocupante estabelecer esse padrão para Obama."

Apelo estilístico
Com relação ao republicano Lincoln (1861-1865), sua imagem é catapultada ao presente por esforço do próprio novo presidente, que o cita como inspiração. Lincoln, assim como Obama, fez carreira política em Illinois e se apoiou fortemente no poder das palavras. Dizia querer no governo um "time de rivais", o que o democrata afirma repetir. E fez a viagem de trem a Washington para a posse, que Obama copiou. Em grande medida, ao citá-lo Obama faz um apelo por união.
Fora do aspecto estilístico, analistas apontam poucos pontos em comum. Lincoln assumiu quando os EUA entravam em colapso e lutou a sangrenta Guerra Civil para mantê-los unidos. Também não era defensor nato da igualdade racial. "Lincoln acabou com a escravidão, e há apelo para um presidente negro nisso; mas ele a aboliu com bastante relutância, por motivos estratégicos, não morais", diz Ginsberg.
Mais propriamente comparável seria Kennedy (1961-1963). Crenson vê similaridades em três níveis: poder da oratória, mudança geracional no poder e por ele também ter tido que superar preconceitos para ser eleito (foi o primeiro presidente católico dos EUA). Além disso, também chegou ao poder com pouca experiência.
Em termos de sensação de mudança política, o historiador da Universidade Harvard Timothy McCarthy compara Obama a Ronald Reagan (1981-1989), que "despertou o sentimento de que uma nova era estava chegando a Washington". Reagan frequentemente aparece em pesquisas como um dos dez melhores presidentes dos EUA de todos os tempos.
Os três primeiros, especialmente entre historiadores, costumam ser Lincoln, Roosevelt e George Washington, primeiro presidente (1789-1797). As pesquisas populares variam. Estudo do Gallup de 2007 teve nos primeiros lugares Lincoln (citado por 18%), Reagan (16%), Kennedy (14%), Bill Clinton (13%) e Roosevelt (9%).
Obama terá o desafio se manter à altura das expectativas, mas não é o primeiro a enfrentar o problema. "Há sempre certa euforia com um novo presidente, o que eu acho meio triste", diz Ginsberg. "Somos como camponeses russos celebrando a chegada de um novo czar; mas de czar em czar, pouca coisa muda."


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