São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Primos de João Paulo 2� na Polônia se enternecem ao contar passagens da vida do papa, descrito como preocupado com os familiares

Família Wojtyla lembra parente "santo"

ROZANE MONTEIRO
ENVIADA ESPECIAL A WADOWICE

Os olhos azuis de Alojzy Wojtyla, 80 anos na semana que vem, brilham, e ele morre de rir quando se apresenta, maroto: Eu sou o filho de Karol Wojtyla. Não é mentira. Seu pai tem o mesmo nome do papa João Paulo 2�, nascido em família de vários homens batizados como Karol.
Alojzy mora em Czaniec, cidadezinha a pouco mais de 20 km de Wadowice, a terra do papa, no sul da Polônia. E seu avô era irmão de outro Karol, o pai de João Paulo 2�. Para ele e a família Wojtyla, o papa será sempre Lolek (apelido para quem é Karol), um grande sujeito: "A melhor coisa dele é que veio de família pobre, como eu. Um homem bom, como eu".
Alojzy passou a vida construindo alicerces para casas. Ele diz que, em toda a sua vida, já fez 120 mil. A mulher, Ludwika, 78, desconfia do número e faz cara feia. Ele devolve a cara feia e jura que é verdade. E assim os dois, ao contar histórias de família, vão brigando e disputando para ver quem tem a melhor. Os dois só concordam em uma coisa: o papa era um típico Wojtyla, sempre preocupado com a família. O Karol que nasceu para entrar para a história sempre queria saber como seus parentes estavam. E sempre se manifestava, por carta ou pessoalmente; no Vaticano e em suas visitas a Wadowice.
"Uma vez Lolek perguntou ao meu pai porque ele não tinha me deixado ir para a escola para virar professor. Meu pai não respondeu. Hoje, eu posso dizer que eu, não, mas um dos meus dois filhos é professor", conta Alojzy, orgulhoso, mostrando a foto de um deles, Jan, e da nora, Janina, no Vaticano, com o papa.
Ludwika lembra de uma outra visita que alguns parentes do papa e o padre Kazimierz Hanzlig, da paróquia local, fizeram ao Vaticano -o casal não chegou a nenhuma conclusão quanto à data. O fato é que Kazimierz, homem de seus 30 e poucos anos na ocasião, estava ficando calvo. "Ele perguntou onde é que estava o cabelo do padre e disse que ele era muito novo para ficar careca. Coitado do padre. Ficou vermelho." Dessas visitas, os dois guardam até hoje os crachás de visitante do Vaticano para as audiências privadas dos parentes de João Paulo 2� com ele, onde se lê, em polonês: "Em que outro lugar alguém pode se sentir tão bem quanto quando está em família?".
É só quando decidem contar o dia em que o papa se viu numa situação absolutamente embaraçosa que os dois param de brigar. Segundo os dois ouviram de amigos de João Paulo 2�, ele tinha acabado de assumir o comando da Igreja Católica quando visitou Zakopane, também no sul da Polônia. Na ocasião, ele era esperado para celebrar uma missa. Mas estava sem seu relógio e resolveu pedir ajuda à primeira pessoa que viu: uma mulher que tomava banho de sol e que já estava cansada de responder à mesma pergunta, feita por cavaleiros interessados em puxar conversa. "Você sabe quantos homens já me perguntaram a hora hoje?", perguntou a mulher, brava. Contam os amigos que João Paulo 2� não perdeu a calma e disse apenas: "Mas eu sou um padre". Piorou. "Sei, sei. Essa é nova", disse a mulher.
E acham graça do caso que o próprio papa contou, na praça João Paulo 2�, em 1999. Qualquer cidadão de Wadowice sabe a história de cor. Ele estava especialmente bem-humorado naquele dia e começou a falar de sua infância e de um certo bolo tradicional na Polônia, o kremówka -feito de massa folheada recheada com creme. Todos ouviam atentamente quando ele começou a rir, sem explicar o que havia de tão engraçado sobre o bolo. Ele acabou contando. Em seu tempo de menino, o kremówka era feito com doses caprichadas de vodca, e a diversão de sua turma de amigos, já que não podiam beber, era comer vários pedaços do bolo. Desde então, o doce virou tradição na praça João Paulo 2�. Só não é mais feito com as doses generosas de vodca do tempo de Lolek.
Alojzy e Ludwika moram numa típica paisagem do sul da Polônia, numa região cercada por montanhas e bosques. Na mesma casa, mora um dos filhos com a família. Na casa ao lado, moram Jan e Janina, que foram para o funeral do papa. Da vila de 5.000 habitantes, cerca de 120 moradores, em três ônibus, foram para Roma. Alojzy e Ludwika ficaram. Ele achou que estava muito velho para uma viagem tão longa. Mas não sofre por isso. Prefere guardar na lembrança a imagem de João Paulo 2� caminhando pelas montanhas de lá há 35 anos, última visita dele à casa de Alojzy.
Os olhos de Alojzy só perdem o brilho quando ele fala do sábado retrasado. Estava dormindo quando o papa morreu. Foi acordado pela neta. Ligou a televisão e confirmou. Entristeceu-se demais, embora já estivesse, como todos, esperando a notícia. "Foi muito difícil para ele. Ele sofreu muito. Como Jesus Cristo." Convencido de que João Paulo 2� vai virar santo, ele diz que não faz a menor idéia de qual será o primeiro milagre de Lolek: "Só ele sabe".

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