São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Homenagens são criticadas na França

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

As homenagens oficiais ao papa, incluindo luto e bandeiras a meio pau, parecem algo natural para os brasileiros. Na França -país orgulhoso de sua laicidade-, contudo, elas suscitaram uma controvérsia a respeito da separação entre a igreja e o Estado.
"Desde 1905, quando foi adotada a lei que estabelece a estrita separação entre a igreja e o Estado, trata-se de um "tema sagrado" para os franceses. Nenhuma religião pode ser privilegiada em detrimento de outras. Para muitos em nossa sociedade laica, o que ocorreu em relação ao papa foi contrário à nossa legislação", disse à Folha Marc Sadoun, do Centro de Estudo da Vida Política Francesa.
O debate começou no domingo passado, um dia depois da morte do papa, quando Christophe Girard (Verdes), assessor da Prefeitura de Paris, se disse "preocupado" com a situação, pois o presidente Jacques Chirac ordenara a demonstração oficial de respeito pela morte de João Paulo 2�.
No dia seguinte, o senador socialista Jean-Luc Melanchon e Yves Contassot, também dos Verdes, expressaram descontentamento com o luto oficial e a colocação das bandeiras a meio pau. Para ambos, tratava-se de um atentado à separação entre a igreja e o Estado e um privilégio concedido a uma religião específica.
O senador socialista Michel Charasse afirmou, ainda na segunda-feira, que estava "perturbado" com as homenagens oficiais a João Paulo 2� na França. "A República Francesa não deveria descer a tal nível. Se o dalai-lama morresse amanhã, nós também colocaríamos as bandeiras a meio pau?", questionou Charasse.
Ademais, o prefeito comunista de Aniane, no sul do país, se recusou a colocar as bandeiras a meio pau "em nome da secularidade", de acordo com seu gabinete.
"Depois da entrada em vigor da lei que proíbe o uso de símbolos religiosos nas escolas públicas, no ano passado, o modo como o Estado lida com a religião se tornou um tema bastante sensível. E a deferência oficial à morte do papa foi muito malvista pelas outras comunidades", analisou Sadoun.
O premiê Jean-Pierre Raffarin se defendeu, imediatamente, das acusações. Um de seus porta-vozes frisou que, em 1989, quando da morte do imperador Hirohito, do Japão, e, em 1991, quando morreu o rei Olaf 5�, da Noruega, também houve luto oficial e as bandeiras ficaram a meio pau.
"A defesa do governo não é desprovida de sentido, visto que o papa é o chefe do Estado do Vaticano. É inevitável, no entanto, que haja uma confusão generalizada, pois, além disso, João Paulo 2� era o chefe da Igreja Católica. Mas, mesmo assim, a controvérsia é exagerada e pode ter um cunho político", explicou Sadoun.
"A França vive um momento de agitação política, em que alguns importantes projetos do governo, como a reforma do sistema educacional, são atacados por uma parcela significativa da população. Assim, nenhuma hipótese deve ser descartada."
De fato, os membros do partido governista -UMP (União por um Movimento Popular)- foram mais discretos e evitaram tecer críticas à atitude do governo.
Vale lembrar que, atualmente, o governo de centro-direita e boa parte da oposição socialista fazem campanha pela aprovação da Constituição da União Européia e que, por ora, as pesquisas de intenção de voto mostram que seu esforço não tem surtido efeito positivo -entre 52% e 54% apóiam o "não". A propósito, Melanchon e Contassot não são favoráveis à adoção da Carta européia.


Com o jornal "Le Monde"

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