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Aplicações financeiras e doações não cobrem déficit da igreja; EUA têm 6% dos católicos, mas respondem por 30% do total doado
Vaticano e Santa Sé estão no vermelho
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
PEDO DIAS LEITE
DE NOVA YORK
Além de voltar a conquistar novos rebanhos católicos, o sucessor
do papa João Paulo 2 terá pela
frente uma missão mais material
e delicada: reverter um quadro de
déficits constantes nas contas da
Santa Sé e do Vaticano e renovar
suas fontes de financiamento.
Assim como o resto do mundo
em dezenas de áreas, a Igreja Católica tem ampliado ano a ano a
sua dependência dos EUA, país
que atravessa uma nova onda religiosa e conservadora personificada no presidente George W. Bush.
Nos últimos três anos consecutivos, a Santa Sé, a administração
central da igreja católica, fechou
no vermelho.
Em seu balanço de 2003 (o de
2004 sai em julho), o déficit foi de
US$ 11,8 milhões, estourando o
orçamento daquele ano, de US$
251,7 milhões.
O dinheiro da Santa Sé vem, basicamente, de doações italianas e
internacionais e da aplicação dos
resultados financeiros de um
portfólio de investimentos estimado em US$ 1 bilhão, segundo
Francis Butler, presidente da Fadica (Fundações e Doadores Interessados nas Atividades da Igreja
Católica, na siga em inglês), sediada em Washington.
O US$ 1 bilhão da Santa Sé tem
origem em uma indenização paga
pelo governo da Itália, em 1929,
relativa a parte do patrimônio da
igreja (os ""Estados papais") confiscado em 1870.
Já a cidade-Estado do Vaticano
(com contas separadas da Santa
Sé) diminuiu em 45%, em 2003, o
rombo de suas finanças em relação ao ano anterior. Mesmo assim, o déficit foi de US$ 10,9 milhões, estourando um orçamento
de US$ 190 milhões.
O financiamento da cidade-Estado do Vaticano provém, basicamente, dos mais de 3 milhões de
turistas que vistam anualmente o
Museu do Vaticano e que levam
para casa lembranças da igreja e
vidros de perfumes, relógios e
roupas de grife nos ""duty free"
administrados pela igreja.
O Vaticano também produz e
vende selos postais denominados
em euro e possui 1.534 funcionários, a maioria empregada para
administrar as áreas autorizadas
aos turistas -a praça São Pedro,
a basílica e o museu.
Descontos no IR
Os resultados do Vaticano e da
Santa Sé vêm sendo consolidados
e conhecidos desde o início da década de 90.
A decisão de publicá-los não foi
expontânea, mas uma resposta ao
fato de o governo da Itália ter deixado de doar dinheiro diretamente ao Vaticano em 1990 e ter autorizado os cidadãos italianos a deduzir do Imposto de Renda doações à igreja.
As duas prestações de resultados, porém, são as únicas transparentes e disponíveis, o que tem
levado muitos especialistas a
comparar as contas da cúpula da
igreja católica a uma caixa-preta.
Um dos maiores especialistas
sobre as finanças do Vaticano no
período entre 1900 e 1950 (quando as doações à igreja se globalizaram), o professor John Pollard,
da Universidade de Cambridge,
disse à Folha, em Nova York, que
o patrimônio do Vaticano pode
chegar a US$ 5 bilhões.
Isso sem contar os tesouros artísticos em seu museu ou edifícios
que não podem ser alugados.
Além de seus prédios monumentais, o Vaticano e a Santa Sé também seriam donos de 2.400 pequenos imóveis em Roma, alugados a preços abaixo do mercado a
seus clérigos e funcionários.
Os demais edifícios, como a
própria basílica de São Pedro, o
Museu do Vaticano e tudo o que
está dentro dele, estão registados
na Itália por um valor simbólico,
inferior a um euro.
No passado, especulações em
torno da possibilidade da venda
de obras de arte do Museu do Vaticano foram enterradas de forma
definitiva tanto pela igreja quanto
pelo governo italiano, que prometeu impedir a exportação de qualquer obra da coleção.
Além da Santa Sé e do Vaticano,
o novo papa também vai controlar o IOR (Istituto per le Opere di
Religione), conhecido mundanamente -e no rol dos grandes escândalos financeiros- simplesmente como o Banco do Vaticano
(leia texto ao lado).
O último dado disponível sobre
o valor dos ativos do banco é de
1994, quando giravam em torno
de US$ 4 bilhões. Estão publicados no livro ""Por Dentro do Vaticano", do padre jesuíta norte-americano Thomas Reese, que
obteve a cifra de um cardeal que
administrava o banco à época.
Ciranda financeira
Nos oito anos anteriores à trinca
recente de balanços consecutivos
no vermelho, a Santa Sé e o Vaticano deram lucro.
Os dois períodos de vacas gordas e magras dos últimos 11 anos
coincidem com as fases de euforia
e depressão dos mercados mundiais de ações e bônus internacionais, o que revela a dependência
da igreja mais em suas aplicações
financeiras do que na generosidade de seus fiéis.
Pollard, da Universidade de
Cambridge, afirma que houve
uma radical mudança geográfica
entre os povos dispostos a financiar a igreja católica nos últimos
140 anos. Até 1864, 86% das doações à igreja vinham de países da
Europa e apenas 0,8% dos EUA.
Hoje, os norte-americanos respondem por 30% das doações,
mesmo representando apenas 6%
dos católicos do planeta.
As igrejas católicas norte-americanas também são responsáveis
atualmente por 50% da coleta do
chamado ""Perter's Pence" (os
centavos de Pedro, em alusão ao
nome do primeiro papa), as doações colhidas entre os fiéis para financiar obras de caridade administradas pelo papa.
De acordo com as contas de
2003, os ""centavos de Pedro" somaram US$ 55,8 milhões.
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