São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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EM BUSCA DO PAPA

Segundo a igreja, não se trata de uma proibição de falar, mas sim de um "convite" aos jornalistas a não solicitarem entrevistas

Cardeais fazem voto de silêncio até eleição

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Os cardeais que elegerão o sucessor de João Paulo 2� decidiram, "por unanimidade", decretar um total blecaute informativo até que escolham o novo papa: não concederão mais entrevistas.
A informação foi dada pelo porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, para quem não se trata de um blecaute nem de uma "proibição de caráter jurídico", e sim de "um convite" aos jornalistas (para que não solicitem entrevistas).
Navarro-Valls disse que o período até o conclave, que se abre na segunda-feira, dia 18, é "de intensas orações", razão pela qual os prelados teriam decidido calar-se. A decisão foi tomada na reunião de ontem da Congregação Geral, que responde pelo governo da igreja na transição até a eleição de um novo papa.
"Todos temos visto que não passa dia sem comentários ou entrevistas dos cardeais. Ainda ontem (sexta-feira, o dia do enterro do papa), havia até um cardeal [falando] na televisão".
É só metade da verdade: de fato alguns (poucos) cardeais têm dado entrevistas, mas nunca falaram sobre nomes para suceder João Paulo 2�, que é, afinal, o objetivo único do conclave.
Falam, acima de tudo, sobre a vida e a obra do papa morto e, secundariamente, de temas que preocupam a igreja. Neste último ponto, cabe a interpretação de que estão falando sobre questões do conclave, na medida em que há virtual consenso entre os "vaticanistas" de que, antes de pensar em nomes, os prelados estabelecerão prioridades temáticas.
Ou seja, definirão primeiro que tipo de igreja querem para o futuro. Depois, sim, verão que cardeal é mais apto para tornar realidade a igreja desenhada.
O blecaute informativo em tese é desnecessário, na medida em que cada cardeal que vive em Roma ou que chega à capital italiana presta o seguinte juramento: "(juro) manter escrupulosamente o segredo sobre tudo que, de qualquer forma, tenha relação com a eleição do Pontífice Romano ou que, por sua natureza, exija o mesmo sigilo".

Exemplo claro
Um exemplo muito claro do tipo de declarações que alguns cardeais estão dando é a entrevista que o primaz da Bélgica, o papável Godfried Danneels, deu ao jornal "La Repubblica", publicada anteontem.
Danneels em nenhum momento sequer tangenciou a questão de nomes para suceder João Paulo 2�. Mas falou bastante sobre temas que preocupam a igreja.
Primeiro tema, que parece prioritário entre os cardeais: o que o jargão da igreja batizou de "colegialidade".
Em linguagem leiga: uma maior democratização no processo de tomada de decisões, devolvendo poderes e funções que os bispos e, por extensão, as conferências episcopais nacionais perderam durante o período João Paulo 2�, em favor da Cúria Romana, o governo do Vaticano.
Danneels cobrou um "papa forte e um episcopado forte", típica solução intermediária. Sua declaração é apenas o reconhecimento do óbvio: "Na Igreja, não se verifica uma descontinuidade". Não há que esperar que o novo papa comece do zero.
De todo modo, o tema da colegialidade não é uma questão de interesse apenas interno da igreja. Invade todos os outros campos em debate, do que dá prova ainda Danneels, ao constatar que continentes diferentes oferecem desafios diferentes para a igreja.
Ao apontar os problemas locais, Danneels automaticamente sinaliza que uma maior democracia interna levará a discussões de temas que a Cúria mantém soterrados. Um deles, citado pelo belga: "Deixando de lado o sacerdócio das mulheres, é preciso dar responsabilidades a elas. Devem estar no governo da igreja".
Nesse ponto, Danneels coincide com dom Cláudio Hummes, igualmente papável, embora use tom mais enfático. d. Cláudio defende, sim, "um diálogo colegiado" sobre vários temas, entre eles o da participação da mulher, sem chegar no entanto a pedir que estejam "no governo da igreja".
Esse tipo de discussão se tornará mais forte antes mesmo do conclave, na medida em que, na semana que vem, a Congregação Geral, que se reúne obrigatoriamente todos os dias, discutirá a situação atual da igreja.
Cada continente, por seus cardeais, relatará problemas específicos (aqueles que Danneels já listou e outros), exatamente as questões que o próximo papa será chamado a responder.
O problema é que essa discussão não chegará ao público em conseqüência do blecaute decretado por seus participantes.

Santidade prorrogada
Além de enunciar o blecaute, o Vaticano arrecefeu os apelos populares para que João Paulo 2� seja declarado santo imediatamente -"santo subito!" [santo agora] gritaram os fiéis no funeral. Segundo o porta-voz da Santa Sé, qualquer decisão sobre o processo de beatificação de João Paulo 2� ficará a cargo do próximo papa.
Ontem foi anunciada mais uma baixa no grupo de 117 cardeais que possuem direito a voto no conclave que escolherá o próximo papa: segundo o Vaticano, o cardeal Antonio Suárez Rivera, arcebispo emérito de Monterrey, no México, não irá comparecer, por razões de saúde.


Com agências internacionais

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