São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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DIREITOS HUMANOS
Presos políticos foram "jogados ao mar, em rios, sobre montanhas ou incinerados" durante ditadura
Militares reconhecem abusos no Chile

Associated Press
Presidente Ricardo Lagos (à dir.) entrega relatório sobre desaparecidos ao presidente da Suprema Corte, Hernán Alvarez (centro)


DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Militares chilenos confirmaram que cerca de 200 presos desaparecidos durante o governo do ex-ditador Augusto Pinochet foram "lançados ao mar, em rios, sobre montanhas da cordilheira dos Andes ou incinerados".
Os dados estão contidos em um relatório que as Forças Armadas do Chile entregaram anteontem ao presidente Ricardo Lagos e à Mesa de Diálogo (formada por militares, advogados de direitos humanos e representantes da sociedade) que há 11 meses investiga uma das mais dolorosas facetas do regime militar (1973-1990).
Ao entregar o informe, compilado nos últimos seis meses, as Forças Armadas cumpriram um acordo firmado com a Mesa de Diálogo. Relatos semelhantes envolvendo outras centenas de casos de presos políticos desaparecidos durante a ditadura foram entregues por representantes de igrejas, sinagogas e da maçonaria.
Segundo o jornal chileno "La Tercera", boa parte dos casos reconhecidos pelo Exército ocorreu entre setembro de 1973 e março de 1974, nos primeiros meses do governo Pinochet, que assumiu o poder depois de derrubar o presidente socialista Salvador Allende, eleito em 1970.
O Exército chileno reconhece, de acordo com o jornal, que, nos dias posteriores ao golpe militar, 182 corpos de pessoas mortas pelos serviços de segurança foram incinerados num cemitério de Santiago. Os militares também disseram que 27 corpos foram lançados ao mar por helicópteros do Exército.
O número de vítimas revelado por outras instituições das Forças Armadas é menor que o do Exército. A Marinha, segundo o jornal, reconhece o envolvimento em 14 desaparecimentos.
Os relatos das Forças Armadas, das igrejas e da maçonaria sobre o destino de centenas de desaparecidos foram entregues, anteontem, por Lagos ao presidente da Suprema Corte, Hernán Alvarez. Lagos pediu a Alvarez que designe um grupo de juízes especiais para investigar os casos.
A Mesa de Diálogo vem reunindo informações sobre violações aos direitos humanos há 11 meses, e, segundo o "La Tercera", formou uma base de dados com mais de mil casos de desaparecidos, dos quais apenas 62 haviam sido solucionados.
A lista definitiva da Mesa de Diálogo sobre os desaparecidos inclui 985 casos. Desses, 359 foram atribuídos à polícia secreta de Pinochet (Dina), 304 aos policiais militares, conhecidos como "carabineros", 177 ao Exército, 14 à Marinha, 17 à Força Aérea, 16 a investigadores policiais, 21 ao Comando Conjunto, 11 à Central Nacional de Informações (CNI) e 66 a agentes de segurança agindo por conta própria.
"Buscou-se elaborar uma lista final com os 200 casos em que se obteve informação sobre o paradeiro dos presos desaparecidos", informou o diário.
Ao deixar o Palácio de La Moneda, anteontem, o presidente da Suprema Corte, Hernán Alvarez, disse que as informações compiladas pela Mesa de Diálogo são muito valiosas.
"Creio que os organismos que proporcionaram essa informação contribuíram para fazer conhecer o que realmente ocorreu neste país", afirmou.
Alvarez disse, ainda, que as informações permitirão determinar "o que ocorreu com os presos desaparecidos ou pelo menos vão ajudar a esclarecer onde eles estão, e, se não os encontrarmos, o que aconteceu com eles".
Segundo dados oficiais, 3.197 pessoas foram mortas ou desapareceram durante a ditadura, incluindo cerca de 90 policiais e militares ligados ao regime mortos em atentados ou confrontos.
O presidente Lagos marcou para ontem às 22h (23h em Brasília) um pronunciamento à nação, em cadeia de rádio e TV, sobre os relatórios entregues a ele e as medidas que serão tomadas a partir de agora para esclarecer o paradeiro dos presos políticos desaparecidos durante o regime militar.

"Caravana da Morte"
Uma das primeiras ações que Pinochet teria comandado se refere à Caravana da Morte, em outubro de 1973, pouco depois do golpe de 11 de setembro liderado pelo general. Um grupo de oficiais e soldados de elite teria sido responsável pelo sequestro, assassinato e desaparecimento de ao menos 72 presos políticos.
De acordo com seu comandante, o ex-general Sergio Arellano Stark, a Caravana da Morte cumpria uma missão ordenada por Pinochet, então chefe da junta militar: "apressar" o julgamento dos presos logo depois do golpe. O objetivo não era matar, afirmou.
Os militares percorreram de helicóptero cinco cidades do Chile, e muitas vítimas foram jogadas em covas clandestinas, descobertas só em 1990 -18 corpos nunca foram encontrados.


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