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Entrevista da 2� Timothy Garton Ash, 56

Europa ainda est� se saindo bem demais

Para historiador brit�nico, principal problema do continente � achar que seu sucesso vem de forma autom�tica

Professor de Oxford diz que n�o h� dedica��o da atual gera��o de l�deres ao projeto de unifica��o europeia

CHRISTOPH SCHWENNICKE
GERHARD SP�RL
DA �DER SPIEGEL�

Um dos mais proeminentes historiadores europeus da atualidade, o brit�nico Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford, aponta falta de paix�o pelo projeto europeu de dirigentes como a chanceler alem�, Angela Merkel, e o presidente franc�s, Nicolas Sarkozy.

Ele tamb�m explica por que acredita que os jovens europeus come�ar�o a se mobilizar caso sintam que as liberdades de sua "Europa easyJet" -refer�ncia a uma companhia a�rea de baixo custo que facilitou as viagens pelo continente- est�o sob amea�a.

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"Der Spiegel" - Vamos supor que o sr. seja um m�dico e a Europa, sua paciente. Qual � o diagn�stico?

Timothy Garton Ash - A Europa � uma mulher que chegou � meia-idade, j� teve diversos ataques card�acos e no momento est� passando pela maior crise de sa�de de sua vida, mas que n�o precisa se provar fatal.

Qual a causa da enfermidade?

Os grandes propulsores do projeto europeu deixaram de funcionar. Estou falando sobre pol�ticos apaixonadamente envolvidos, com lembran�as pessoais sobre a guerra, a ocupa��o, a ditadura, o Holocausto e a amea�a sovi�tica.

Obama � bem-intencionado, mas n�o tem o mesmo interesse ou compromisso de l�deres passados com a Europa. A Alemanha foi um dos principais propulsores do processo de unifica��o da Europa por 40 anos, mas deixou de s�-lo. E a isso devemos acrescentar a crise de uma uni�o monet�ria mal concebida.

Mas n�o seria justo reprovar a gera��o de Obama, Merkel e Sarkozy por eles n�o terem a mesma forma��o de pessoas como [o ex-chanceler alem�o] Helmut Kohl ou [o ex-presidente franc�s] Fran�ois Mitterrand...

N�o se pode culp�-los, mas o fato permanece. Sempre esperei que 1989 [queda do muro de Berlim] viesse a gerar um novo �mpeto hist�rico. De l� para c�, uma gera��o de milh�es de pessoas que experimentaram a vida sob a ditadura em primeira m�o chegaram ao poder. Angela Merkel � parte dessa gera��o, mas isso parece ter tido poucas consequ�ncias para ela.

Que consequ�ncias ela deveria extrair dessa experi�ncia?

O poder da convic��o. Caso Merkel tivesse apelado aos alem�es no in�cio da crise e lhes dito que salvar a zona do euro serve aos interesses do pa�s, as coisas seriam diferentes na Alemanha e na Europa, hoje.

O clima seria diferente. E os resgates aos pa�ses em risco na zona do euro provavelmente teriam custado bilh�es a menos.

Democracia e capitalismo v�m sendo g�meos no Ocidente desde a Segunda Guerra. O capitalismo est� consumindo a democracia, na atual crise?

O capitalismo financeiro, que se desenvolveu de modo t�o falso nos �ltimos 20 anos, de fato representa uma amea�a existencial -n�o apenas �s democracias europeias, mas a todo o Ocidente. N�o devemos nos iludir: estamos falando de uma grave crise econ�mica e financeira para o Ocidente. N�o para o mundo todo, n�o para a �sia, mas para o Ocidente.

Mas n�o apenas para o Ocidente, dado que a China, com suas imensas reservas cambiais em d�lares e euros, dificilmente poder� ignorar a situa��o passivamente caso a Europa e os EUA n�o sejam capazes de se recuperar.

A crise � do Ocidente. Come�ou no Ocidente e afetou a n�s de modo mais severo. Tamb�m est� servindo para alterar a mudan�a no equil�brio do poder, em benef�cio do Oriente. A mudan�a fica ainda clara pelo fato de que o Ocidente agora se v� for�ado a pedir que a China invista e adquira seus t�tulos de d�vida.

Essa depend�ncia � um reflexo da ironia da crise.

Sim, e que imensa ironia! Diante dessa virada no equil�brio de poder, o islamismo violento pode continuar a ser uma amea�a verdadeira, mas n�o dar� forma � hist�ria do mundo. Muita gente subestimou esse fator na d�cada passada, a come�ar por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].

O impacto mundial da crise pode certamente motivar a gera��o de Merkel a se comprometer com mais dedica��o � uni�o da Europa.

Em termos intelectuais, � um argumento 100% verdadeiro. Mas duvido que a quest�o tenha um apelo emocional semelhante ao da presen�a do Ex�rcito Vermelho [da ex-URSS] do lado oposto da fronteira, estacionado bem no meio da Europa. Os chineses n�o est�o chegando com tanques de guerra, mas com investimentos.

H� preocupa��es circulando em Berlim de que a China possa investir pesadamente na Gr�cia, por exemplo, caso a Gr�cia deixe a zona do euro, o que poderia fazer de Atenas uma esp�cie de satrapia chinesa na Europa.

� uma vis�o um pouco exagerada, mas j� se tornou claro que 40% dos investimentos chineses direcionados � Europa est�o concentrados no sul e leste do continente.

Como resultado, um lobby chin�s est� sendo formado gradualmente no seio da Uni�o Europeia. E porque estamos lidando com pa�ses economicamente fracos do sul e leste da Europa, os investimentos chineses desempenham papel importante e tamb�m t�m consequ�ncias pol�ticas.

E quais seriam elas?

Por exemplo, quando se trata do status da economia de mercado ou do embargo de armas da Uni�o Europeia contra a China. A crise no projeto europeu ainda n�o se tornou aguda para a maioria dos europeus. E o perigo, claro, � que quando a crise vier a afetar suas vidas, talvez seja tarde demais.

O senhor � brit�nico e favorece a integra��o com a Europa, uma combina��o rara. O seu pa�s n�o est� enfrentando a quest�o de se integrar completamente � Europa ou abandon�-la de vez?

Sim, chegou a hora da verdade para o Reino Unido, porque, se a zona do euro for salva, haver� uma uni�o fiscal, o que significa uma uni�o pol�tica entre os pa�ses do euro -suspeito que sem a Gr�cia, mas com alguns novos candidatos.

Ao mesmo tempo, o governo brit�nico est� tentando recuperar certos poderes cedidos a Bruxelas, por exemplo sobre quest�es de pol�tica social. Isso tem parcas chances de sucesso. O que significa que, nos pr�ximos dois ou tr�s anos, n�s brit�nicos teremos de enfrentar a quest�o decisiva: entrar ou sair.

E qual ser� a resposta?

Por mais que o surpreenda, pode ser que continue a ser: entrar.

Se o euro fracassar, a integra��o europeia fracassar�?

N�o, mas acredito que n�s, a maioria dos europeus, ainda estamos nos saindo bem demais ou, para ser brutalmente franco, n�o mal o suficiente. O principal problema da Europa � o seu sucesso, que � considerado como autom�tico at� pelos jovens dos pa�ses b�lticos, que nem mesmo constavam do mapa da Europa 21 anos atr�s. Viajo muito � Pol�nia -e l� as coisas s�o exatamente assim. Mas se essa "Europa easyJet", se essa liberdade, for amea�ada, veremos uma mobiliza��o dos jovens europeus. Tenho certeza disso.

Tradu��o de PAULO MIGLIACCI

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