São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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"Pedagogia da Indignação" reúne textos inéditos do educador Paulo Freire escritos nos últimos anos de vida
Cartas às novas gerações

Marilene Felinto
da Equipe de Articulistas

Os textos escritos pelo educador Paulo Freire em seus últimos dias de vida, bem como artigos seus inéditos produzidos em 1992 e 1996, estão reunidos agora neste "Pedagogia da Indignação". O livro concentra na primeira parte (intitulada "Cartas Pedagógicas") três ensaios que apontam para o projeto que Freire já começara a desenvolver desde a publicação de "Cartas a Cristina" (1994): o projeto de sistematizar seu pensamento teórico e político-pedagógico de forma mais acessível, como quem tivesse mesmo urgência de comunicar. O projeto de -segundo ele mesmo explica na "Primeira Carta"- "escrever umas cartas pedagógicas em estilo leve cuja leitura tanto pudesse interessar jovens pais e mães quanto, quem sabe, filhos e filhas adolescentes ou professoras e professores que, chamados à reflexão pelos desafios em sua prática docente, encontrassem nelas elementos capazes de ajudá-los na elaboração de suas respostas".

O ponto de vista do pai
Escrita em janeiro de 1997 (Paulo Freire morreria em maio daquele ano), essa primeira carta discute a educação de crianças e jovens numa época de mudanças comportamentais e tecnológicas aceleradas como a nossa. Revê o confronto entre licenciosidade e autoritarismo, entre liberdade e autoridade. Conforme comenta no posfácio sua mulher, Ana Maria Freire, o educador analisou nesse texto, "seu percurso enquanto pai e pela primeira vez escreveu sobre a educação sob este ponto de vista".
Na segunda carta ("Do Direito e do Dever de Mudar o Mundo"), o autor da "Pedagogia do Oprimido" expõe toda a sua visão otimista ao destacar a responsabilidade das mentalidades e dos educadores progressistas na conformação de um futuro democrático para o país.
"A tarefa progressista é (...) estimular e possibilitar, nas circunstâncias mais diferentes, a capacidade de intervenção no mundo, jamais o seu contrário, o cruzamento de braços em face dos desafios." Freire cita como exemplo de persistência progressista o Movimento dos Sem Terra, que descreve como "ético e pedagógico", identificando suas raízes na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, nas Ligas Camponesas esmagadas pelo regime de 64. A terceira carta trata do assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo por um grupo de adolescentes de Brasília em abril de 97. É um Paulo Freire indignado que retoma o tema da primeira carta, a importância da educação dos adolescentes, a dicotomia liberdade/licenciosidade: "Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda".

Urgência da intervenção
Na atualidade dos temas dessas três cartas, bem como no propósito de dar a elas uma forma mais "digerível" que a do ensaio tradicional, há talvez duas revelações. Primeira: a necessidade de interferir com urgência no mundo que ele intuía talvez estar lhe escapando aos pés -pouco antes de sua morte, Freire disse em uma entrevista que não viveria mais do que cinco ou dez anos.
A segunda revelação: dar vazão, nos últimos anos de vida, ao sonho um tanto frustrado de não ter sido escritor de ficção, conforme confessou à Folha numa entrevista, em 1994. A carta está muito mais próxima da ficção do que do ensaio, e Paulo Freire era apaixonado pelo ato de escrever: "Escrever, para mim, vem sendo tanto um prazer profundamente experimentado quanto um dever irrecusável, uma tarefa política a ser cumprida. A alegria de escrever me toma o tempo todo" ("Cartas a Cristina").
A segunda parte (intitulada "Outros Escritos") dessa edição póstuma traz os ensaios "Descobrimento da América" (1992), "Alfabetização e Miséria", "Desafios da Educação de Adultos ante a Nova Reestruturação Tecnológica", "A Alfabetização em Televisão", "Educação e Esperança" e "Denúncia, Anúncio, Profecia, Utopia e Sonho", todos de 1996.



Pedagogia da Indignação
134 págs., R$ 14,00 de Paulo Freire. Ed. Unesp (praça da Sé, 108, CEP 01001-900, SP, tel. 0/xx/11/232-7171).




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