|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
Em novo livro, José Murilo de Carvalho analisa o papel dos militares
na história do Brasil e sua relação ambígua com o poder político
Uma lógica do poder
JORGE ZAVERUCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este livro reúne textos de importante pesquisador sobre as
Forças Armadas brasileiras.
Dono de uma escrita agradável, lê-se o livro como se fosse um romance. José Murilo de Carvalho vai
da Guerra do Paraguai [1864-70] até
os dias de hoje, proporcionando
uma ampla visão sobre o papel dos
militares em nossa história.
Os dois primeiros capítulos de
"Forças Armadas e Política no Brasil" são os principais. O autor mostra
a importância de estudar as Forças
Armadas sob o ponto de vista organizacional. Organizações, lembra,
"possuem características e vidas
próprias que não podem ser reduzidas a meros reflexos de influências
externas". Com isso, procura fugir
das análises que conferem a priori
papéis políticos às Forças Armadas
ou que caem nas explicações "ex
post facto".
Carvalho mostra como os militares evoluíram até alcançarem sua
própria lógica de poder. No entanto
não comprova se a suposta subordinação militar às autoridades civis
ocorre por meio de estratégia intencional orientada ou, se na decisão
castrense de abandonar o governo
em 1985, os militares teriam incorporado suas expectativas sobre as
reações civis.
Sinto falta, na análise do autor, de
interação mais efetiva entre civis e
militares no jogo político. Carvalho
faz com maestria a descrição do
comportamento das Forças Armadas e das forças civis. Contudo não
apresenta explicações do motivo das
relações civis-militares serem desse
ou daquele modo, bem como da dinâmica de sua variação ao longo do
tempo. Obviamente, uma análise organizacional per se não consegue
capturar essas nuanças do jogo estratégico. Afinal, um ator político
pode mudar seu comportamento se:
a) a probabilidade percebida de que
suas preferências sejam adotadas
aumentar ou diminuir; b) o ator obtiver mais informações sobre outros
atores e sobre o quadro político; e c)
o peso do ator no sistema político
crescer ou decrescer.
Carvalho, por exemplo, diz que em
1964 "travou-se a batalha final que
deu a vitória à facção militar anti-Vargas". Mas, por que essa facção
não saiu vitoriosa em 1961? Como
encaixar na sua análise o comportamento do citado general Peri Bevilaqua? Ele foi o primeiro oficial com
comando de tropas a apoiar, em
1961, a assunção de Goulart.
Apoiou, porém, a deposição do
mesmo em 1964. Posteriormente,
por querer que o governo fosse logo
devolvido aos civis, foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar.
Para ficar longe da tropa. Por ter tomado decisões independentes em
relação aos interesses das Forças Armadas, foi afastado compulsoriamente do STM e teve suas condecorações militares cassadas.
Sem maniqueísmo
Talvez a falta de uma visão estratégica do jogo político explique a afirmação de Carvalho de que o "comportamento [das Forças Armadas]
durante o processo de impedimento
de Fernando Collor de Mello foi
exemplar". Ora, Collor foi o presidente civil entre 1985-2005 que mais
fustigou os interesses dos militares.
Ao pressentirem que o Congresso
votaria o impeachment, não havia
motivo para as Forças Armadas intervirem explicitamente. Apoiaram
nos bastidores -e como- a queda
de Collor. O próprio ministro da
Marinha de Collor, almirante Mario
César Flores, funcionou como elo
entre Itamar Franco e a caserna.
Em troca, os militares foram contemplados com nove ministérios. E
Itamar, durante seu governo, ajustou-se, repetidamente, aos interesses castrenses.
Desse modo, ao se adotar a visão
dicotômica "golpe e não-golpe",
perde-se uma série de nuanças sobre
a influência militar nos bastidores
da política. Forças Armadas podem
não dar golpe, não necessariamente
porque a democracia está consolidada, mas o seu reverso. Ela é tão frágil
que aceita as imposições castrenses
com receio da queda da democracia.
Seria o caso de os militares moldarem parte do governo sem diretamente controlá-lo. O que Nordlinger define como pretorianismo moderado. Isto é, os civis podem governar, mas o governo é supervisionado
pelos militares nos assuntos que lhes
interessam. Os militares são um poderoso grupo de pressão que exerce
poder de veto, em determinadas
áreas, sobre as autoridades políticas,
sem almejar, todavia, tomar diretamente o poder.
A conclusão do livro é contraditória. Por um lado, o autor indaga se
deve continuar estudando os militares diante de estarem as "Forças Armadas cada vez mais dedicadas a tarefas profissionais em obediência
aos parâmetros constitucionais".
Por outro, reconhece "o risco de sermos surpreendidos pelos acontecimentos de 1964". Ora, a melhor forma de evitar a surpresa é continuar
estudando os militares.
Carvalho aponta, corretamente,
que a saída do ministro da Defesa,
José Viegas, é prova da existência de
feridas abertas. Bem como a resistência do Exército à abertura dos
seus arquivos.
Acrescento itens, dentre outros, a
essa lista de preocupações de Carvalho: os policiais e bombeiros militares foram transformados em militares estaduais, algo inusitado no
mundo "democrático"; o Exército
continua a ter controle parcial sobre
as polícias e corpos de bombeiros
militares; a Lei de Segurança Nacional, braço jurídico da Doutrina de
Segurança Nacional, continua em
vigor; o orçamento das Forças Armadas durante o governo FHC só
perdeu para Previdência e Saúde,
ganhando da Educação e da Habitação; a Abin, agência civil, está subordinada a um general da ativa que é o
ministro de Estado; o Exército obteve, por decreto, o poder de polícia.
Plano Padrão para Garantia da Lei e
da Ordem é o nome do projeto para
intervenção urbana, e batalhões neste sentido já estão sendo treinados.
A experiência das tropas brasileiras no Haiti será de grande valia para
tal projeto.
Jorge Zaverucha é doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e professor na Universidade Federal de Pernambuco. É autor de "Frágil Democracia" (ed. Civilização Brasileira), entre outros livros.
Forças Armadas e Política no Brasil
224 págs., R$ 38
de José Murilo de Carvalho. Ed. Jorge Zahar
(r. México, 31, CEP 20031-144, Rio de Janeiro, RJ, tel. 0/xx/ 21/ 2240-0226).
Texto Anterior: Sujeitos bem resolvidos Próximo Texto: Duelo de profetas Índice
|