São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005 |
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+ livros Série lançada na França reúne análises das representações do indivíduo do Renascimento ao início do século 20 O corpo-a-corpo na história
PHILIPPE-JEAN CATINCHI
Também a máquina de produzir vida e energia, inexoravelmente ameaçada pela passagem do tempo, inscreve na carne nua os signos de um aniquilamento em progresso. O corpo é o espaço de uma animalidade perecível cujas máscaras, códigos e linguagens o homem multiplica para esconjurar o desaparecimento. São tantos os domínios que as palavras mal conseguem explicar, descrever sua realidade comum, mesmo que o sujeito tenha a cultura e o reflexo de sua própria escritura. Daí a principal dificuldade da "Histoire du Corps" [História do Corpo]. Se, para poder avaliar seu alcance real, é preciso esperar que a grande obra seja concluída, com a publicação do tomo dedicado ao século 20, já se pode apreciar a audácia da empreitada e o cuidado em sua realização. Evoluções apaixonantes Apenas nos surpreendemos com a seqüência cronológica considerada, que aparentemente faz um impasse sobre o que antecede a era moderna, apesar de diversos estudos recentes terem "trabalhado sobre o corpo". Mas rapidamente a leitura do corpus dissipa as dúvidas, e a evocação do corpo exaltado, de Cristo ou do rei, desde a Idade Média, encontra naturalmente seu lugar ao longo dos estudos, como nos suntuosos cadernos iconográficos inteligentemente comentados -isso é suficientemente raro para ser elogiado- que pontuam cada volume do conjunto. Ler o rosto e as mãos Esse coletivo, porém, oferece evoluções apaixonantes, às vezes planos gerais tão sólidos que parecem obedecer à exigência de textos autônomos. A abertura ("O Corpo, a Igreja e o Sagrado", de Jacques Gélis) é um modelo de visão elevada e virtuosismo. Assim como o plano fixado por Corbin para o tomo que dirige, cruzando as visões sobre o corpo, médicas, religiosas, artísticas ou sociais, antes de se envolver no terreno tão delicado da "cultura somática". Esse lugar onde desejo e repulsa, prazer e dor impõem uma nova visão do corpo, que o contraponto iconográfico efetua mais uma vez com refinamento. Não se imagina nada mais contrastante que a passagem da bela seqüência de Jacques Gélis para "Corpos do Comum, Usos Comuns do Corpo", confiada a Nicole Pellegrin. Esse grande trajeto é seguido da breve, mas estimulante, abordagem de Courtine sobre a fisiognomonia, que decifra as linguagens do corpo, e a moda da metoposcopia, que pretende ler o rosto assim como a quiromancia interroga a palma da mão. Finalmente, um destaque particular para o capítulo apaixonante de Daniel Arasse: "A Carne, a Graça, o Sublime". Capítulo que o leitor descobrirá após dois estudos sobre corpos excepcionais: o do monstro, que lembra a relação "incestuosa" entre o homem e o animal, e, depois, o do rei, cuja apresentação cenográfica lembra que ele é o corpo simbólico do Estado. Mesmo que o modelo se desfaça no século das Luzes, quando o poder tende ao que Vigarello chama de "descorporalização", em que o soberano é apenas mais um signo entre outros. Arasse abraça todas as imagens. A inteligência do plano ("Glória do Corpo/Controles do Corpo/Resistências do Corpo") assim como a ciência da síntese oferecem uma escapada ideal cuja lição ultrapassa o propósito, embora ambicioso. Histoire du Corps Vol. 1: "De la Renaissance aux Lumières" (Da Renascença às Luzes, 592 págs., 40 euros -R$ 136) Vol. 2: "De la Révolution à la Grande Guerre" (Da Revolução à Grande Guerra, 464 págs., 35 euros -R$ 120) Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello (org.). Ed. L'Univers Historique. Onde encomendar Livros em francês podem ser encomendados na livraria Francesa (0/xx/11/ 3231-4555) ou no site www.alapage.com Este texto foi publicado no "Le Monde". Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. Texto Anterior: Simbolismo das cidades é tema de estudo Próximo Texto: + livros: Fragmentos do futuro Índice |
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