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5 - Canção, rock, rap
Folha - Já que você falou em mídia,
podemos voltar um pouco para a música popular? O tipo de relação entre
poesia e música que você comenta será fácil de aceitar para um leitor brasileiro, porque temos uma tradição
muito rica nesse aspecto. E também o
papel que as canções tiveram na cena
cultural norte-americana dos anos 60
e 70, análogo ao que tiveram por
aqui. Mas você diria que elas continuam a ter esse papel na cultura de
massa atual?
Paglia - Ah, não. O vínculo com a
tradição secular das baladas, por
exemplo, parece ter escapado da geração mais nova. Minha geração tinha esse elo com a tradição medieval
irlandesa e escocesa das baladas, que
chegou aos EUA no século 17, em regiões hoje associadas ao estilo
"country", como Kentucky e Tennessee. E toda aquela disciplina da
escrita, as lindas simetrias dessa tradição se fizeram presentes na música "folk", que também tinha um
componente político forte, contra as
guerras, contra a bomba atômica.
Tínhamos isso de um lado e, de
outro, o blues, que veio nutrir o
rock. O rock inglês trouxe isso de
volta para nós, adolescentes da década de 50. Mas foi tudo varrido do
mapa pelo hip hop e pelo rap.
Faz 25 anos que o rap se firmou
por aqui. É a música por excelência
das comunidades afro-americana e
latina. E é a música dos jovens, em
geral: hip hop e rap. Mas a construção das letras, ali, não tem mais nada
a ver com a tradição das baladas,
com aquilo que se escuta, por exemplo, numa canção como as de Joni
Mitchell. Não existe mais o sentido
bem definido de espaço, de construção estrófica etc.
Folha - Mas isso é o bastante para
desclassificar o rap?
Paglia - O rap me parece algo importante e vital; mas não acho que
tenha produzido uma única canção
com a dimensão de "Woodstock",
capaz de falar às platéias mais diversas. O rap ainda tem de escapar dos
guetos, tem de ser capaz de falar para
todo mundo.
É o que estou pedindo aos poetas,
também, no meu livro: parem de falar só uns com os outros. Falem com
as massas do país inteiro, como Walt
Whitman fazia. O pessoal do rap não
se dá conta de que só está falando
para um nicho. Ainda não apareceu
uma única canção capaz de se comunicar com o resto de nós.
Vale comparar o rap com algum
exemplo da era das canções. Digamos, "What's Going On", de Marvin
Gaye. Uma canção explicitamente
política, falando contra a brutalidade policial e contra o governo e que
nem por isso deixa de ser uma obra
de arte incrivelmente bem construída, num registro meditativo, quase
de contemplação. O mundo inteiro
escutou essa canção na época. E ela
continua viva. Como "Woodstock",
que continuo ouvindo nos lugares
mais diversos (nem sempre, é verdade, na versão sombria e ambivalente
da própria Joni Mitchell).
Então é isso que estou dizendo ao
rap: vocês criaram uma forma de arte vital. Agora falem ao mundo.
Criaram um estilo, mas será que já
criaram uma canção? Muitas delas
são ótimas, mas será que alguma é
uma grande canção?
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