São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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1 - Anos 60 e drogas

Folha - Podemos começar, quem sabe, com sua leitura da canção de Joni Mitchell, "Woodstock". Ela parece fechar as coisas de um modo crucial, como se o livro inteiro ganhasse outro sentido. Não seria legítimo dizer que você, nesse ponto, está reagindo às "esperanças frustradas e energias tragicamente perdidas" da geração que viveu a juventude na década de 1960 -derrocada que, para você, já se anuncia nessa canção?
Camille Paglia -
Jogar o foco nesse capítulo me parece muito justo, pois foi um texto que escrevi com o coração. Minha geração me parecia tão talentosa, dotada de tamanhas promessas, parecíamos estar fazendo nada menos que uma revolução cultural. E tudo aquilo deu em desastre. Um desastre que se deve, em primeira instância, aos efeitos das drogas.
Veja bem: foram os indivíduos mais avançados, mais aventurosos, mais prontos a romper com os limites tradicionais, foram eles os que mais consumiram drogas, acreditando ingenuamente num atalho para o paraíso. O resultado foi esse desastre, que levou embora um número incomensurável de pessoas. E um resultado disso, então, foi que as figuras mais convencionais, mais conformistas, acabaram tomando conta das universidades. Tomaram conta e têm a audácia, agora, de dizer que são herdeiros dos anos 60, o que é uma calúnia.

Folha - Você se sente representando os ideais da geração?
Paglia -
Tenho um sentimento muito forte, um sentido elegíaco dessa geração que agora se vê caricaturada, reduzida a um período exótico do passado, quando se usavam roupas coloridas e cabelo comprido, quando se tocava violão na calçada e dançava pelado no parque. Um outro lado dessa mesma imagem são os protestos contra a guerra, como se fossem tudo o que de mais radical nossa geração foi capaz de fazer.
O fato é que havia uma grande revolução artística em curso. A integração de poesia, artes visuais, música, cinema etc. na criação de um novo tipo de performance artística. Tudo isso se movendo na direção de uma verdadeira Renascença norte-americana -algo que nos anos 70 já tinha se rebaixado ao simbolismo cru da cultura das discotecas. Um cultismo, um artificialismo fácil (embora eu também adore música de discoteca). Uma grande perda da visão mística, das percepções cósmicas da geração anterior.
As drogas tiveram esse efeito terrível. E logo veio a Aids, que destruiu uma geração inteira de homossexuais talentosíssimos.

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