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Monumental, Potala viu torturas
DO ENVIADO ESPECIAL AO TIBETE
Dos mais de cem milhões de votos do
controvertido concurso para a eleição
das Sete Maravilhas do Mundo Moderno, o Potala não atraiu nem sequer número suficiente para figurar
entre os 21 finalistas.
Contudo esse templo-museu
que já foi palácio supera muitos
dos concorrentes em antiguidade (1.371 anos), originalidade, engenharia, acervo artístico
e -de longe- opulência.
Mas uma visita guiada ao Potala não começa pelos testemunhos de fausto, e sim pelos de
miséria: a reconstituição do calabouço no sopé da fachada do
palácio.
Ali, antes da revolução comunista, suspeitos e condenados eram sujeitos a torturas inquisitivas ou punitivas: flagelação, amputações (mão, pé, nariz, orelha), desarticulação e
uma opção singularmente tibetana, enucleação dos olhos.
Esta última foi, por exemplo,
a pena aplicada em 1934 a
Lungshar (muitos tibetanos
usam apenas um nome), poderoso ministro caído em desgraça por intrigas palacianas, antes de cumprir prisão perpétua.
Outro personagem ilustre
que morreu na masmorra do
Potala foi o lama regente Reting, que reconheceu o menino
Lhamo Dhondup (hoje Tenzin
Gyatso, dalai-lama 14) como
reencarnação do dalai-lama 13.
Rivais de Reting o prenderam em 1947 sob acusação de
ter falsificado augúrios e oráculos indicativos da identidade
do sucessor do dalai-lama 13,
com a intenção de eliminar outro candidato, protegido de lama rival.
Entretanto a maioria dos supliciados, ali e noutros lugares,
era de condição social mais baixa; por exemplo, servos agregados a alguma propriedade rural, fosse de aristocrata, fosse
de algum mosteiro (cada um
destes -que chegaram a passar
de 6.000- era sustentado pelos servos que labutavam a propriedade circundante).
Estes, porém, e seus descendentes, tinham compromisso
perpétuo de trabalhar (sem salário) exclusivamente para o
senhor ou para o mosteiro. Fugir diminuía o valor da propriedade, crime equivalente a furto, em geral punido com igual
rigor no próprio domínio do senhor ou do mosteiro.
Você sai dessa preleção vagamente abalado e ansioso por algum aspecto da história tibetana mais condizente com a ficção de Xangri-lá.
Mas o resto do Potala é igualmente perturbador, com sua
combinação de esplendor estético com a culpa que elicia por
você admirar um tesouro artístico alicerçado em tais horrores. O Centro de Informação
China Tibete calcula que se
empregaram 4 toneladas de
ouro só na estupa da múmia do
dalai-lama 5 (1617-82), construída em 1691. (Estupas são
estruturas cônicas e ocas para
resguardo de relíquias.)
Estima-se também que, em
comparação, apenas uns 600
quilos de ouro se incorporam à
estupa do dalai-lama 13 (1876-1933). Em compensação, incrustações de gemas e pérolas a
tornam muito mais valiosa.
Crânio humano
Somente na mandala tridimensional que a defronta se estima haver cerca de 200 mil pérolas, afora diamantes e outras
gemas que totalizam cerca de
40 mil engastes preciosos.
Ouro e prata, afora milhares
de gemas, também ornamentam no Potala mais de 10 mil
ídolos e seus nichos, o trono do
dalai-lama, vasilhas e incontáveis outros utensílios de seu
uso pessoal, cerimonial e oficial. Intrigante objeto ritual é a
"kapala", taça formada pela calota dum crânio humano, mas
em geral decorada com valiosos
requintes de ourivesaria.
Também preciosos, noutros
sentidos, são os mais de 200
mil livros sobre budismo, história, medicina, magia, astrologia
e variados outros assuntos.
Com seus 117 metros de altura, o Potala foi a construção
mais alta do mundo até ser superado pela Torre Eiffel em
1889. Já entre edifícios ocupados, o primeiro a ultrapassá-lo
foi o arranha-céu Park Row
Building (1899), de Nova York.
Engenheiros notam que o
Potala não incorpora nem a
tecnologia dos esqueletos de
aço rebitados e soldados nem a
do concreto (tibetanos não conheciam o cimento) nem a dos
elevadores. Não fosse a engenhosa solução de recostá-lo na
rocha maciça da colina e incrustar nela algumas traves,
meras paredes não suportariam o peso de prédio tão alto.
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