São Paulo, Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1999


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FUNDOS DE AÇÕES
"Xerife" do mercado até janeiro passado, Ana Maria Brito defende uma legislação detalhista
"Falta força à Anbid para auto-regular"

FÁBIO ALVES
da Reportagem Local

A Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimento) ainda não está pronta para auto-regular o mercado de fundos de ações. "Enquanto não existir uma entidade com poderes de definir regras, aplicar penalidades e que englobe todos os administradores de recursos do mercado, será necessária uma legislação detalhada que proteja os investidores."
A opinião é de Ana Maria França Brito, que até janeiro deste ano era conhecida por muitos como a "xerife" desses fundos. Ela foi, durante cinco anos, a superintendente de relações com investidores da CVM. Foi responsável pela instrução n� 215, em vigor desde 1994, que regulamentava o setor.
Ao se aposentar da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) em janeiro deste ano, Ana deixou pronta a instrução n� 302, que cria as novas regras para o funcionamento dos fundos de ações.
O objetivo da nova legislação é permitir que o investidor tenha acesso a informações importantes para avaliar os riscos dos produtos em que aplica.
A instrução n� 302 deveria ter entrado em vigor em novembro, para os fundos de ações e de carteira livre já existentes. Foi adiada para depois de 31 de janeiro de 2000, a pedido da Anbid.
A entidade, entre outras coisas, pediu uma simplificação da legislação em alguns aspectos para criar espaço para a auto-regulação. Para os gestores, a instrução n� 302 é uma camisa-de-força e cria custos desnecessários. Ana Maria Brito discorda.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Folha - A senhora acompanhou a elaboração da instrução n� 302 da CVM até o processo de audiência pública. O texto final sofreu alguma mudança?
Ana Maria França Brito
- Sim. A instrução, antes de ser publicada, era mais extensa no que diz respeito a informações obrigatórias em relação ao prospecto e ao conteúdo dos relatórios semestrais. Pelo que li, o texto final foi simplificado. Ficou mais genérico.

Folha - Qual foi o seu objetivo ao elaborar a instrução?
Ana
- Esse processo teve início em 1997. Envolveu os profissionais do mercado. Discutíamos formas de melhorar o instrumento fundos de ações. A administração de recursos via fundos sempre foi alvo de críticas quanto aos aspectos confiança e transparência. A nossa preocupação era a de proporcionar mais informações ao cotista para ele fiscalizar e acompanhar o seu fundo.
Queríamos também introduzir o caráter educacional. Quando se dá ao mercado um conjunto maior e melhor de informações, você também está fazendo as pessoas aprenderem a usar essas informações.
Se você comparar com o mercado norte-americano, que é o grande mercado de fundos de investimento, você terá um comportamento ativo do investidor. Ao conhecer mais sobre o assunto, o investidor analisa e investiga. É o que precisamos produzir no nosso investidor. Hoje, quando precisa de informações, ele tem muitas dificuldades para obtê-las.

Folha - Que avanço se tentou introduzir em relação à legislação anterior?
Ana
- Criamos a obrigatoriedade do prospecto, que dá informações sobre a proposta do administrador para o fundo, que tipo de política de investimentos, que tipo de restrição e de liberdade o gestor tem para investir. Além disso, tem de fornecer o histórico de rentabilidade do fundo. Tornamos obrigatória a divulgação de algumas medidas de risco e de concentração de carteira. Outro ponto é o da obrigatoriedade de aviso aos cotistas da realização das assembléias.

Folha - Falta transparência ainda?
Ana
- Esses instrumentos que a 302 cria ainda não existem. O que é relatório hoje e o que é divulgação de informações obrigatórias estão contidos no demonstrativo contábil, que traz um conjunto pequeno de informações. E os regulamentos dos fundos não têm boa qualidade de informação. A política de investimentos contida nos regulamentos, por exemplo, é muito sucinta. Esclarece pouco qual é a estratégia de investimento do fundo.

Folha - Muitos gestores alegam que essas medidas vão aumentar os custos, que poderão ser repassados aos cotistas.
Ana
- A informação tem um preço. Mas a informação é tão mais importante quando há um grande público envolvido e quando o fundo agrega risco. Para produtos de varejo, não há como medir a relação custo/benefício da obrigatoriedade das informações. Além disso, o mercado precisa investir nesse sentido. A elaboração dos primeiros prospectos sairia mais caro, mas depois seria um custo mais assimilável.

Folha - A grande crítica dos administradores é que a 302 é muito detalhista em alguns tópicos e não deixa espaço para a auto-regulação do mercado. Como a senhora vê isso?
Ana
- Realmente, se você tem uma auto-regulação forte e eficaz, o mercado anda muito melhor. Mas, para que isso funcione, é preciso haver uma entidade com poderes de definir regras, de aplicar penalidades. É preciso que todos os administradores estejam subordinados a essa entidade para que ela efetivamente possa atuar. Enquanto a sociedade -no caso, a indústria e os gestores- não produzir essa instituição, você não vai poder ter uma auto-regulação.

Folha - E a Anbid não teria força suficiente para tornar a auto-regulação obrigatória para todos os participantes do mercado?
Ana
- A associação à Anbid é livre. Associa-se quem quer. A entidade, pelo menos até recentemente, não tinha 100% dos gestores. Há no mercado administradores independentes e corretoras que não são ligadas à Anbid. É preciso saber também que poder tem a Anbid para punir, por exemplo. Acho a auto-regulação muito importante. Só não sei se ela já está pronta para acontecer.

Folha - Que erros o investidor brasileiro comete quando aplica em fundos de ações?
Ana
- Ele se informa pouco. Ele ouve dizer que certo fundo teve uma boa rentabilidade, então vai investir sem conhecer o risco associado à aplicação. Falta a preocupação de analisar o investimento. Se ele não quer ter o trabalho de analisar e acompanhar, então fundo de ações não é o investimento mais adequado. Não pode fazer a aplicação e deixar de lado. Precisa não só acompanhar a rentabilidade, mas também a carteira e a política de investimento. E cobrar os resultados.


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