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FUNDOS DE AÇÕES
"Xerife" do mercado até janeiro passado, Ana Maria Brito defende uma legislação detalhista
"Falta força à Anbid para auto-regular"
FÁBIO ALVES
da Reportagem Local
A Anbid (Associação Nacional
dos Bancos de Investimento) ainda não está pronta para auto-regular o mercado de fundos de
ações. "Enquanto não existir uma
entidade com poderes de definir
regras, aplicar penalidades e que
englobe todos os administradores
de recursos do mercado, será necessária uma legislação detalhada
que proteja os investidores."
A opinião é de Ana Maria França Brito, que até janeiro deste ano
era conhecida por muitos como a
"xerife" desses fundos. Ela foi, durante cinco anos, a superintendente de relações com investidores da CVM. Foi responsável pela
instrução n� 215, em vigor desde
1994, que regulamentava o setor.
Ao se aposentar da CVM (Comissão de Valores Mobiliários)
em janeiro deste ano, Ana deixou
pronta a instrução n� 302, que cria
as novas regras para o funcionamento dos fundos de ações.
O objetivo da nova legislação é
permitir que o investidor tenha
acesso a informações importantes
para avaliar os riscos dos produtos em que aplica.
A instrução n� 302 deveria ter
entrado em vigor em novembro,
para os fundos de ações e de carteira livre já existentes. Foi adiada
para depois de 31 de janeiro de
2000, a pedido da Anbid.
A entidade, entre outras coisas,
pediu uma simplificação da legislação em alguns aspectos para
criar espaço para a auto-regulação. Para os gestores, a instrução
n� 302 é uma camisa-de-força e
cria custos desnecessários. Ana
Maria Brito discorda.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Folha - A senhora acompanhou a elaboração da instrução
n� 302 da CVM até o processo de
audiência pública. O texto final
sofreu alguma mudança?
Ana Maria França Brito - Sim. A
instrução, antes de ser publicada,
era mais extensa no que diz respeito a informações obrigatórias
em relação ao prospecto e ao conteúdo dos relatórios semestrais.
Pelo que li, o texto final foi simplificado. Ficou mais genérico.
Folha - Qual foi o seu objetivo
ao elaborar a instrução?
Ana - Esse processo teve início
em 1997. Envolveu os profissionais do mercado. Discutíamos
formas de melhorar o instrumento fundos de ações. A administração de recursos via fundos sempre foi alvo de críticas quanto aos
aspectos confiança e transparência. A nossa preocupação era a de
proporcionar mais informações
ao cotista para ele fiscalizar e
acompanhar o seu fundo.
Queríamos também introduzir
o caráter educacional. Quando se
dá ao mercado um conjunto
maior e melhor de informações,
você também está fazendo as pessoas aprenderem a usar essas informações.
Se você comparar com o mercado norte-americano, que é o
grande mercado de fundos de investimento, você terá um comportamento ativo do investidor.
Ao conhecer mais sobre o assunto, o investidor analisa e investiga.
É o que precisamos produzir no
nosso investidor. Hoje, quando
precisa de informações, ele tem
muitas dificuldades para obtê-las.
Folha - Que avanço se tentou
introduzir em relação à legislação anterior?
Ana - Criamos a obrigatoriedade do prospecto, que dá informações sobre a proposta do administrador para o fundo, que tipo
de política de investimentos, que
tipo de restrição e de liberdade o
gestor tem para investir. Além
disso, tem de fornecer o histórico
de rentabilidade do fundo. Tornamos obrigatória a divulgação
de algumas medidas de risco e de
concentração de carteira. Outro
ponto é o da obrigatoriedade de
aviso aos cotistas da realização
das assembléias.
Folha - Falta transparência
ainda?
Ana - Esses instrumentos que a
302 cria ainda não existem. O que
é relatório hoje e o que é divulgação de informações obrigatórias
estão contidos no demonstrativo
contábil, que traz um conjunto
pequeno de informações. E os regulamentos dos fundos não têm
boa qualidade de informação. A
política de investimentos contida
nos regulamentos, por exemplo, é
muito sucinta. Esclarece pouco
qual é a estratégia de investimento do fundo.
Folha - Muitos gestores alegam que essas medidas vão aumentar os custos, que poderão
ser repassados aos cotistas.
Ana - A informação tem um
preço. Mas a informação é tão
mais importante quando há um
grande público envolvido e quando o fundo agrega risco. Para produtos de varejo, não há como medir a relação custo/benefício da
obrigatoriedade das informações.
Além disso, o mercado precisa investir nesse sentido. A elaboração
dos primeiros prospectos sairia
mais caro, mas depois seria um
custo mais assimilável.
Folha - A grande crítica dos
administradores é que a 302 é
muito detalhista em alguns tópicos e não deixa espaço para a
auto-regulação do mercado. Como a senhora vê isso?
Ana - Realmente, se você tem
uma auto-regulação forte e eficaz,
o mercado anda muito melhor.
Mas, para que isso funcione, é
preciso haver uma entidade com
poderes de definir regras, de aplicar penalidades. É preciso que todos os administradores estejam
subordinados a essa entidade para que ela efetivamente possa
atuar. Enquanto a sociedade
-no caso, a indústria e os gestores- não produzir essa instituição, você não vai poder ter uma
auto-regulação.
Folha - E a Anbid não teria força suficiente para tornar a auto-regulação obrigatória para todos os participantes do mercado?
Ana - A associação à Anbid é livre. Associa-se quem quer. A entidade, pelo menos até recentemente, não tinha 100% dos gestores. Há no mercado administradores independentes e corretoras
que não são ligadas à Anbid. É
preciso saber também que poder
tem a Anbid para punir, por
exemplo. Acho a auto-regulação
muito importante. Só não sei se
ela já está pronta para acontecer.
Folha - Que erros o investidor
brasileiro comete quando aplica
em fundos de ações?
Ana - Ele se informa pouco. Ele
ouve dizer que certo fundo teve
uma boa rentabilidade, então vai
investir sem conhecer o risco associado à aplicação. Falta a preocupação de analisar o investimento. Se ele não quer ter o trabalho
de analisar e acompanhar, então
fundo de ações não é o investimento mais adequado. Não pode
fazer a aplicação e deixar de lado.
Precisa não só acompanhar a rentabilidade, mas também a carteira
e a política de investimento. E cobrar os resultados.
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