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Assexuados, bichas & cia.

A nova gera��o gay nas universidades dos EUA

MICHAEL SCHULMAN

TRADU��O CLARA ALLAIN

RESUMO

Ap�s a luta por direitos civis nos anos 60 e o desbunde dos 70, chega � maioridade gera��o que busca se afirmar com designa��es o mais abrangentes poss�vel. Ag�nero, big�nero e intersexos est�o entre as denomina��es abrigadas sob a nova sigla LGBTQIA, que j� ganha espa�o oficial em universidades dos Estados Unidos.

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Em mar�o do ano passado, Stephen Ira, aluno do Sarah Lawrence College, postou um v�deo no site We Happy Trans, que divulga "vis�es positivas" sobre a condi��o dos transg�neros. No vertiginoso mon�logo, um descabelado Stephen, em seu quarto na resid�ncia universit�ria, declarou-se "bicha, guerreiro nerd, escritor, artista e um cara que est� precisando cortar o cabelo" e discursou sobre tudo, de seus �cones de estilo

(Truman Capote e "qualquer pessoa de identifica��o masculina que use meia tr�s-quartos ou cinta-liga") a sua zebra de brinquedo.

Stephen, cujo nome de batismo � Kathlyn, � o filho de 21 anos de Warren Beatty e Annette Bening, e por isso o v�deo tornou-se viral e foi visto quase meio milh�o de vezes. Mas s� por isso. Com sua eloqu�ncia livre, movida a adrenalina, mais parecia um grito da nova gera��o de ativistas de g�nero p�s-gays, dos quais Stephen representa um raro rosto p�blico.

Stephen e seus pares v�m forjando uma identidade pol�tica que volta e meia destoa da cultura gay do "mainstream". Se o movimento gay hoje parece ter como foco o casamento gay, a gera��o de Stephen busca algo mais radical: virar de ponta-cabe�a os pap�is e superar o bin�mio macho/f�mea. A quest�o n�o � quem eles amam, mas quem s�o -ou seja, sua identidade, diferente da mera orienta��o sexual.

Mas que nome dar ao movimento? Se j� se usou "gays e l�sbicas" para agrupar diversas minorias sexuais -e, mais recentemente, a sigla LGBT, para incluir os bissexuais e transg�neros-, a nova vanguarda quer uma abrevia��o abrangente. "Os jovens de hoje n�o se definem no espectro do LGBT", disse Shane Windmeyer, fundador do Campus Pride, grupo estudantil de defesa da causa, com sede em Charlotte, na Carolina do Norte.

Parte da solu��o � acrescentar letras � sigla, e a bandeira dos direitos p�s-p�s-p�s-gays tem ficado mais longa -ou frouxa, para alguns. A sigla que est� pegando, em especial nos campi de ci�ncias humanas ou artes, � LGBTQIA. A mesma letra pode designar diferentes coisas. O Q pode ser de "questionador" ou de "queer" (bicha), termo que foi pejorativo at� sua apropria��o por ativistas gays, nos anos 90. I � de "intersexos". E o A simboliza tanto "aliado" (simpatizante) como "assexuado".

A Universidade do Missouri, em Kansas City, tem seu Centro de Recursos LGBTQIA que, entre outras coisas, ajuda os alunos a localizar banheiros "de g�nero neutro" no campus. O Vassar College tem um Grupo de Discuss�o LGBTQIA nas tardes de quinta. A Universidade Lehigh promove sua segunda Confer�ncia Intercolegial LGBTQIA, seguida por um Baile Queer. O Amherst College tem um Centro LGBTQQIAA, no qual cada grupo ganha sua pr�pria letra.

"H� uma gera��o muito diferente chegando � maioridade, com concep��es completamente diferentes de g�nero e sexualidade", disse Jack Halberstam (antes Judith), professor transg�nero da Universidade do Sul da Calif�rnia e autor, mais recentemente, de "Gaga Feminism: Sex, Gender, and the End of Normal" (Feminismo Gaga: sexo, g�nero e o fim do normal).

"Quando voc� v� termos como LGBTQIA, � porque as pessoas enxergam tudo o que n�o se enquadra no bin�mio e exigem que seja criado um nome para elas", diz. Com a profus�o de novas categorias, como "genderqueer" ["g�nero bicha"] ou "andr�gino", cada uma dotada de uma subcultura on-line, montar uma identidade de g�nero pode ser um verdadeiro trabalho do tipo "fa�a voc� mesmo".

Oito calouros da Universidade da Pensilv�nia se reuniram no ano passado, frustrados com a inexist�ncia de um grupo que os representasse. A universidade j� tinha duas d�zias de grupos de gays, incluindo o Negros Gays, a Alian�a Lambda e o J-Bagel, a "comunidade judaica LGBTQIA". Mas nenhum tem como foco a identidade de g�nero (o mais pr�ximo disso, o Trans Penn, era composto por professores e p�s-graduandos).

Richard Parsons, 18, transg�nero masculino, descobriu isso no Gay Affair, evento patrocinado pelo Centro LGBT local. "Sa� decepcionado", comentou o prolixo calouro de cabelo curto, �culos de arma��o de metal e roupas de mauricinho. "Era um Centro LGBT, mas todos eram homens gays."

Pelo Facebook, Richard e outros fundaram um grupo chamado Penn Non-Cis, abrevia��o de "n�o cisg�nero". "Cis" significa "do mesmo lado que", e "cisg�nero" denota aqueles cujo g�nero coincide com seu corpo biol�gico; logo, se aplica � maioria. O grupo de Richard procura representar todos os outros. "� uma insurrei��o de calouros", disse Richard.

BIG�NERO

Em novembro, cerca de 40 alunos lotaram o Centro LGBT para o evento inaugural do grupo. O microfone estava aberto a todos. Os organizadores panfletaram convites oferecendo "camisinha de gra�a! Protetor labial de gra�a!". Kate Campbell come�ou a apresenta��o: "H� um cen�rio LGBT muito din�mico aqui. Mas ele engloba sobretudo o LGB, e n�o muito o T. Queremos mudar essa situa��o". Os alunos leram poemas e trechos de di�rios e cantaram baladas. Ent�o subiu ao palco a espevitada Britt Gilbert, com sua franja loira, seus �culos de aro grosso e sua camiseta de banda de rock. Queria falar sobre "big�nero". "Algu�m quer dizer ao p�blico o que acha que � isso?" Sil�ncio.

Britt explicou que ser big�nero � manifestar tanto a persona masculina quanto a feminina, quase como ter um "p�nis que possa ser colocado e tirado". "H� dias em que acordo e penso: 'Por que estou neste corpo?'" contou. "Em geral, acordo e penso: 'No que eu estava pensando ontem?'."

Britt explicaria mais tarde que ouviu o termo "big�nero" pela primeira vez da boca de Kate, que por sua vez o viu no Tumblr. As duas se conheceram e ficaram amigas durante o per�odo de orienta��o aos calouros. No col�gio, Kate se identificava como "ag�nero" (sem g�nero) e usava o pronome "eles" ("they", que � neutro em ingl�s); agora ela v� seu g�nero como "uma mancha amorfa".

J� a evolu��o de Britt foi mais linear. Cresceu num sub�rbio na Pensilv�nia e nunca aderiu �s normas de g�nero. Quando era crian�a, adorava a cantora e atriz Cher e achava "boy bands" revoltantes. Ao jogar videogame, n�o queria escolher um avatar masculino ou feminino. No ensino m�dio, come�ou a se descrever como bissexual e saiu com meninos. No ensino m�dio, saiu do arm�rio e assumiu-se l�sbica. Seus pais acharam que era uma fase -at� que ela levou a namorada, Ash, para casa. Mas Britt ainda n�o tinha se resolvido.

"Eu tinha certeza de gostar de meninas, mas n�o de ser menina", disse Britt. �s vezes, sa�a de vestido e ficava pouco � vontade, como se estivesse fantasiada para o Halloween. Em outros dias, sentia-se �tima. N�o estava "presa no corpo errado", como se diz -s� n�o sabia que corpo queria. Quando Kate lhe falou do termo "big�nero", a identifica��o foi imediata. "Antes de saber o que era, eu j� sabia o que era", disse Britt, acrescentando que o termo � mais fluido que "transg�nero", mas menos vago que "genderqueer" -que pode abranger todo tipo de identidade de g�nero n�o tradicional.

De in�cio, s� comentou com Ash, que respondeu: "E voc� demorou tanto assim para entender?". Para os outros, n�o era t�o f�cil entender. Assumir-se l�sbica at� que tinha sido simples, disse Britt, "porque as pessoas sabem o que �". Ao chegar � Universidade da Pensilv�nia, ficou aliviada ao conhecer calouros que passaram por processos parecidos.

Um deles era Richard Parsons, o membro mais politicamente l�cido do grupo. Richard foi criado como menina na Fl�rida e entendeu que era transg�nero quando estava no ensino fundamental. Certo ver�o, quis dividir o quarto na col�nia de f�rias com um amigo transg�nero, mas sua m�e n�o deixava. "Ela disse: 'Voc� est� dizendo que ele � homem, n�o quero voc� dividindo quarto com um homem'. Respondi: 'Acho que eu talvez tamb�m seja homem'."

Depois de muito choro e muiotas brigas dom�sticas, Richard e sua m�e fizeram as pazes. Quando ela perguntou como deveria cham�-lo, ele n�o soube responder. Escolheu "Richard" e depois acrescentou Matthew, pois significa "d�diva de Deus". Ao chegar � universidade, j� enfaixava os seios havia mais de dois anos e tinha dor nas costas. No evento inaugural, contou uma hist�ria dolorosa sobre o ataque de p�nico que teve ao ser levado ao vesti�rio feminino no centro de sa�de da universidade.

Mesmo assim, elogiou a universidade pelos alojamentos "de g�nero neutro". O plano de sa�de da faculdade inclui cirurgia de mudan�a de sexo, algo que "influenciou em muito minha decis�o de contratar um seguro-sa�de da Penn no ano que vem", disse.

REDA��O

Se dez anos atr�s o Centro LGBT quase n�o era usado, em 2010 a universidade come�ou a tentar atrair candidatos cujas reda��es mencionavam temas gays. Em 2012, a revista de not�cias gay "The Advocate" classificou a Penn entre as dez universidades mais abertas a transg�neros. Um n�mero crescente de universidades, sobretudo no nordeste dos EUA, vem se abrindo a estudantes que fogem das conven��es de g�nero.

Segundo pesquisa do grupo Campus Pride, ao menos 203 campi permitem que alunos transg�neros dividam o quarto com colegas do g�nero de sua prefer�ncia; 49 t�m um processo de mudan�a de nome e g�nero nos registros da universidade, e 57 cobrem terapia hormonal. Em dezembro, a Universidade de Iowa tornou-se a primeira a acrescentar a op��o "transg�nero" no formul�rio em que o candidato assinala o seu sexo.

Mas nem mesmo essas medidas conseguem atender �s exig�ncias dos alunos, que v�m contestando os curr�culos, assim como fizeram os ativistas gays nos anos 80 e 90. Em vez de protestar contra a aus�ncia de cursos de estudos gays, eles criticam as restri��es que veem nos j� existentes.

V�rios membros do grupo Penn Non-Cis v�m se queixando de um semin�rio de reda��o que fizeram, intitulado "Mais Al�m de 'Will and Grace'", que analisou personagens gays de seriados de TV como "Ellen", "Glee" e "Modern Family". A professora, Gail Shister, l�sbica, criticou alunos que usaram LGBTQ na reda��o, dizendo que � frouxo, e prop�s o termo "queer". Alguns acharam a sugest�o ofensiva. Foi o caso de Brett Gilbert, para quem Shister "n�o aceita coisas que n�o entende". Por telefone, Shister disse que a cr�tica � de natureza estritamente gramatical. "Sou a favor da concis�o", disse ela. "'LGBTQ n�o se pronuncia com facilidade. Ent�o digo aos alunos: 'N�o usem siglas com cinco ou seis letras'."

Uma coisa est� clara. Gail Shister, 60, que em 1979 se tornou a primeira redatora de esportes do jornal "Philadelphia Inquirer", � de uma gera��o diferente. "Francamente, sinto orgulho e inveja desses jovens, por crescerem numa �poca em que t�m liberdade de amar quem quiserem", ela disse.

Mesmo no evento com microfone aberto, as fronteiras da pol�tica de identidade eram transpostas e perdiam defini��o. A certo ponto, o calouro Santiago, da Col�mbia, dirigiu-se aos presentes. Ele e um amigo refletiam sobre os limites do que ele chama de "LGBTQ plus".

"Por que s� determinadas letras entram na sigla?" indagou Santiago. Em seguida, desfiou uma lista de identidades de g�nero, muitas delas tiradas da Wikipedia. "Temos nossas l�sbicas, nossos gays", ele falou, prosseguindo "bissexuais, transsexuais, bichas, homossexuais, assexuais." Respirando fundo, continuou: "Panssexuais. Omnissexuais. Trissexuais. Ag�neros. Big�neros. Terceiro g�nero. Transg�neros. Travestis. Interssexuais. Dois esp�ritos. Hijras. Poliamorosos."

E concluiu: "Indecisos. Questionadores. Outros. Humanos." A sala explodiu em aplausos.

Nota

Texto originalmente publicado no jornal "The New York Times".


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