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Marcelo Coelho

Os males do jarg�o

Um conhecimento objetivo sobre comportamentos humanos tem uma s�rie de pressupostos te�ricos

Tempos atr�s, parecia que todos os motoristas de t�xi de S�o Paulo votavam em Paulo Maluf.

Na minha experi�ncia, isso mudou; j� conversei com taxistas a favor de Marta Suplicy e at� com um que admirava o PC do B.

O que ter� ocasionado essa mudan�a? E por que tanto malufismo nos t�xis de antigamente? Uma reportagem da Folha, anos atr�s, mostrava que a categoria tinha se beneficiado de v�rias iniciativas de Maluf quando ele era prefeito.

Era uma boa explica��o. Podemos pensar em outras. Nem sempre as convic��es de uma pessoa s�o efeito direto de seus interesses corporativos.

O malufismo em geral tamb�m declinou, fundindo-se sem contraste com seus antigos advers�rios. Por que fincar p� no freio malufista quando surge o convite de derrapar com Fernando Haddad?

Outra possibilidade. Ser� que os programas de r�dio andam mais diversificados, com locutores menos opinativos e direitistas do que antes?

N�o ter� sido a pr�pria origem social dos motoristas que mudou com o tempo? H� rela��o entre prefer�ncia malufista e n�veis mais altos de instru��o? Ou com melhoras eventuais no tr�nsito, decorrentes de novas obras?

O sindicato dos taxistas influenciava mais do que hoje o voto de seus membros? Qual era o peso do malufismo em seus dirigentes?

O n�mero de perguntas poderia multiplicar-se, mas n�o � infinito. As explica��es podem ser outras, mas � razo�vel dizer que perderia tempo quem quisesse relacionar essa mudan�a de mentalidade a uma altera��o no n�vel de octanagem da gasolina. Ou � passagem de Merc�rio pelo segundo decanato no momento da entrevista.

Digo isso para assinalar pontos de interesse acad�mico, fora dos desconchavos da atual campanha.

Primeiro ponto: importante ou n�o, a pergunta sobre a atitude eleitoral dos taxistas faz parte de uma coisa chamada ci�ncia social.

Segundo, essa ci�ncia, embora menos exata do que outras, procura respostas comprov�veis e fatuais. Ser�o aceitas at� que outra melhor apare�a.

Terceiro ponto: um conhecimento objetivo sobre comportamentos humanos tem, � claro, uma s�rie de pressupostos te�ricos. Por uma s�rie de motivos, que seria ocioso explicitar, acreditamos que a octanagem da gasolina ou a �rbita de Merc�rio n�o mudam o malufismo de ningu�m.

Quarto ponto: embora localizada, a pergunta sobre o malufismo dos motoristas pode inspirar novas quest�es: o r�dio influencia as elei��es? Quanto? O sindicato de uma categoria � decisivo no comportamento eleitoral de seus membros?

Perguntas complexas, mas n�o desesperadoras.

Existe, contudo, uma poderosa for�a capaz de atrapalhar investiga��es desse tipo. Imagine-se o jovem soci�logo, em busca de um t�tulo de mestre ou doutor, querendo responder a essas perguntas.

A tend�ncia seria formul�-las com mais sofistica��o. E � quase certo que o conceito de "ideologia" vai entrar em cena.

Antes de qualquer pesquisa fatual, ser� preciso ent�o definir o termo "ideologia". H� bibliotecas a respeito, alimentando a famosa "introdu��o te�rica" que comparece em tantas teses acad�micas.

Quando fiz meu mestrado, sobre (hum) "a ideologia do desenvolvimentismo" nos anos Kubitschek, tive de ler um livro sobre o assunto em que a introdu��o te�rica tinha mais de cem p�ginas, revolvendo as cinzas de Gramsci. A rela��o daquilo com o corpo do trabalho era das mais t�nues.

"O Fetichismo do Conceito", livro de Lu�s de Gusm�o que acaba de sair pela Topbooks, faz um servi�o e tanto demolindo esse tipo de supersti��o da linguagem acad�mica.

Doutor pela USP e professor na UnB, Gusm�o demonstra detalhadamente de que modo o uso puramente ornamental dos famosos "conceitos te�ricos" pode prejudicar o conhecimento sociol�gico; o uso da linguagem corrente, em vez do jarg�o, pode ser recomendado na vasta maioria dos casos.

Claro que a teoria � importante. H� teoria (lembrando uma frase de Karl Popper) at� para dizer que um copo d'�gua est� em cima da mesa. Mas seria insensato exigir a "base te�rica" desse tipo de formula��o.

O livro, para o qual escrevi o posf�cio, haver� de ser acusado de simplismo. Quem se der ao trabalho de l�-lo, em especial a longa an�lise que Gusm�o faz da obra de S�rgio Buarque de Holanda, ver� que n�o h� simplismo nenhum.

Sem conter ataques pessoais, o livro demonstra muita dureza pol�mica. Mas seria injusto acusar de simplismo quem se disp�e, com paci�ncia e rigor not�veis, a mostrar que o rei est� nu.

coelhofsp@uol.com.br

AMANH� NA ILUSTRADA:

Contardo Calligaris

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