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M�nica Bergamo

monica.bergamo@grupofolha.com.br

Lynne Sladky-30.nov.2011/Associated Press
Paulo Nazareth e sua instala��o na feira Miami Art Basel
Paulo Nazareth e sua instala��o na feira Miami Art Basel

ERA UMA VEZ NA AM�RICA

O artista mineiro Paulo Nazareth saiu de uma favela perto de Belo Horizonte e foi a p� at� os EUA; l�, integrou a principal feira de arte do pa�s, e agora se prepara para expor seus trabalhos em galeria de SP

Seis meses e 15 dias. Esse foi o tempo que Paulo Nazareth, 34, gastou para ir a p� e de carona de seu "conjunto habitacional favelizado" em Palmital, Santa Luzia, regi�o metropolitana de Belo Horizonte (MG), para Nova York, nos EUA. Calcula ter caminhado 700 km e emagrecido sete quilos.

A jornada foi feita de chinelos e com uma sacola de pano com poucas roupas a tiracolo. Ele diz n�o ter lavado os p�s nesse tempo todo. Transformou a sujeira acumulada em mais uma de suas obras de arte, registrando tudo com uma c�mera fotogr�fica. Quando chegou a NY, banhou os p�s no rio Hudson.

"Foi como arrancar uma pele. A poeira j� fazia parte do meu p�", diz. "N�o lavo os p�s quando vou para os EUA para levar um pouco de poeira da Am�rica Latina para l�", contou, por Skype, � rep�rter L�gia Mesquita, da Cidade do M�xico.

Um ano, um m�s e cinco dias depois de ter deixado Palmital, o artista j� faz o percurso de volta ao Brasil. Est� h� um m�s no M�xico, na casa de uma amiga. "Mas durmo na rua, acampo, fico em hotelzinho barato. Me viro."

"Espere um minuto, por favor. Preciso colocar �gua no feij�o", interrompe a conversa. Ele conta que adiou o retorno ao Brasil porque perdeu o passaporte h� alguns dias. "Acho que foi brincando de bambol� com uma crian�a na rua."

Vai fazer a �ltima parte do trajeto de avi�o. Sua galeria brasileira, a Mendes Wood, enviou a passagem a�rea. Se tudo der certo, ele desembarca em SP a tempo de participar da abertura da exposi��o "Not�cias da Am�rica", no pr�ximo dia 12. Na ocasi�o, ser� lan�ado o livro "Paulo Nazareth, Arte Contempor�nea/Ltda" (Cobog�).

Paulo chegou a Nova York no dia 26 de outubro de 2011. Ficou dois dias e depois foi para a Guatemala. No come�o de dezembro, retornou aos EUA, porque tinha um compromisso agendado: participar de uma das maiores feiras de arte do mundo, em Miami, a Art Basel. "Se fosse pra viver nos EUA, viveria no M�xico. Se fosse pra viver em Miami s� por causa da praia, viveria no Rio", diz.

Na feira, exibiu uma instala��o que bolou durante a viagem: uma Kombi repleta de bananas. "A inspira��o foi a Rep�blica das Bananas."

Desembolsou US$ 4.000 no carro e US$ 800 em bananas vindas da Costa Rica.

A obra foi arrematada por US$ 40 mil por um colecionador israelense. "Foi interessante um israelita comprar a Kombi. Fico pensando nessa rela��o hist�rica. A Kombi � um carro modelo alem�o que quase n�o existe na Guatemala. J� as armas israelenses estiveram naquele pa�s na �poca da ditadura."

Ao lado do carro, Paulo ficava segurando a placa "Minha imagem de homem ex�tico � venda". Cobrava US$ 1 por foto. E vendia bananas a US$ 10. No final, conseguiu US$ 600. "Cobrava pelo jogo da imagem e uma suposi��o do que o outro pensa dessa imagem, o exotismo da Am�rica Latina. O �ndio, o negro, o outro", diz.

A participa��o na Miami Art Basel, al�m do dinheiro, lhe rendeu reportagem no "New York Times". E a publica��o de uma foto sua na editoria de moda do site do jornal americano, em que aparece com um prato de comida na m�o em uma festa da feira de arte que reuniu nomes como Damien Hirst e Marina Abramovic. "Eu com minha camisa de um d�lar, comprada na Guatemala, p�s sujos e meu saco de estopa. A festa era VIP, num hotel de gr�-fino. E tinha muita verdura. Comi bastante", lembra.

Paulo � vegetariano desde os 15 anos. Garante que essa op��o n�o tem nada a ver com seu primeiro emprego, aos 12, em uma fazenda. Cuidava de 400 porcos. "Mas nunca matei nenhum", diz.

Apesar de n�o comer carne, fez uma s�rie de fotos em que aparece com caveiras de boi, sangue na camisa e peda�os do alimento cru na cabe�a. "Antes n�o comia carne porque era demasiadamente cara. Depois, virou h�bito. As fotos s�o para mostrar a presen�a forte da carne na nossa culin�ria; � considerada o que h� de melhor."

Ao trabalho na pocilga se sucederam outros como jardineiro, cuidador de cachorros, empregado dom�stico, vendedor de pipoca, de feij�o, abacate e picol�, padeiro, balconista, limpador de banheiros e agente de sa�de. At� decidir que seria artista.

Filho de uma empregada dom�stica que sozinha criou a ele e a mais sete irm�os depois que o pai, vendedor ambulante, saiu de casa, quando ele tinha 12 anos, concluiu o segundo grau em escola p�blica. Diz que guardou dinheiro para fazer cursinho e prestar vestibular. N�o passou da primeira vez. No ano seguinte, estudando sozinho, entrou em Belas Artes na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Na faculdade, fez teatro de bonecos e gravuras que vendia a R$ 2.

Paulo fez resid�ncias art�sticas. Em uma delas, ficou 13 dias em sil�ncio. Saindo de l� criou a s�rie de imagens "Para Lembr�-lo de Permanecer em Sil�ncio". Em 2006, ganhou bolsa e ficou um m�s na �ndia. "Foi a primeira vez que andei de avi�o."

Em 2010, integrou o JA.CA (Jardim Canad� Centro de Arte e Tecnologia). Nessa incubadora de novos artistas em Belo Horizonte, conheceu dois dos s�cios da futura galeria Mendes Wood, inaugurada meses depois. Desde ent�o, faz parte do portf�lio do espa�o, que representa, entre outros, Tunga.

Depois de se formar, o mineiro decidiu fazer lingu�stica. Por isso, diz, muitas de suas obras t�m rela��o com a escrita. Na s�rie "Cabelo de Preto", que imprimiu em panfleto, ele fez performances em que, diz, engoliu seu pr�prio cabelo. No texto, escreve: "Sair de casa [Palmital, periferia de Santa Luzia] com a boca repleta de meu cabelo preto/ Pegar �nibus coletivo/ 13 de maio de 1888 assinatura da Lei �urea".

"� sobre cabelo bom e cabelo ruim. O meu cabelo sarrar� crioulo, cabelo de preto, � muito bom. � t�o bom que pode ser servido como refei��o principal de qualquer menu. Comia meu cabelo para preservar essa parte em mim", afirma. "Mas hoje parei. Depois que eu fazia isso tinha que tomar azeite."

Panfletos como este, que antes, diz, vendia em barraquinhas em Palmital, hoje s�o comercializados na galeria Mendes Wood. L�, a obra mais barata de sua autoria custa US$ 400. Com o dinheiro da instala��o vendida em Miami, conta que "estamos ajeitando o barraco l� em Palmital", onde mora com a m�e, um irm�o, uma irm� e dois sobrinhos.

No fim do ano, ele ser� o artista mais jovem a participar de uma mostra na Casa de Vidro, projetada pela arquiteta Lina Bo Bardi, que ter� curadoria do su��o Hans Ulrich Obrist. E, no ano que vem, vai integrar a Bienal de Lyon, na Fran�a.

"Sei viver com pouco. Eu j� sou rico. Minha m�e dizia: 'Filho, somos ricos da gra�a de Deus'", afirma. Seu sonho de consumo: "�s vezes gosto de tomar sorvete de araticum [fruta do cerrado]".

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