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Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

Luiz Felipe Pond�

Andr�ia O

Formavam um trio insepar�vel desde a faculdade, Andr�ia, a amante e a esposa tra�da

Sim, Andr�ia O. Mas n�o "O" como em Anna O, a paciente hist�rica de Freud. "O" como no livro "Hist�ria de O", de Pauline R�age (nascida Anne Desclos e depois denominada Dominique Aury).

Andr�ia estava lendo este livro. Dado a ela por uma amiga sua, amante de um homem casado. Este homem, ali�s, era casado com uma grande amiga em comum delas duas. Formavam um trio insepar�vel desde a faculdade, Andr�ia, a amante e a esposa tra�da pela amiga. Bebiam juntas sempre. Amigas fi�is.

Andr�ia nunca imaginara que sua amiga J. seria capaz de ser amante do marido de M. (manteremos as iniciais para garantir o segredo da identidade de J. e de M.). Seria mesmo verdade que somos destinados a repetir as mesmas hist�rias mesmo depois de nos tornarmos mais evolu�dos?

Afinal, seus professores e colegas de trabalho (Andr�ia trabalhava numa produtora) sempre diziam que somos "narradores de nossos corpos e de nossas vidas". Mas, Andr�ia temia que corpo fosse destino e que seu sexo estava acima de suas escolhas.

Pessoas legais diziam que nem o sexo era mais sexo, mas sim constru��o social. Andr�ia, no fundo, sempre achou essa ideia de sexo como constru��o social coisa de gente que se sentia mal com o sexo com o qual nascera, mas n�o dizia nada para n�o pensarem que ela era reacion�ria.

Mas se somos todos livres para nos inventar e por isso pod�amos nos inventar como pessoas "melhores", como sua amiga t�o bacana podia fazer sexo oral no marido de sua outra amiga tamb�m bacana, no banheiro do S. (de novo, iniciais para resguardar a identidade, aqui no caso, do restaurante em quest�o, muito conhecido neste mundo de gente bacana) em meio a uma conversa sobre o filme "Argo" e a viol�ncia desnecess�ria no Oriente M�dio?

N�o que Andr�ia estivesse de verdade surpresa com este fato. H� muito percebera que seria capaz de qualquer coisa caso seu desejo estivesse envolvido. J� passara pela sua cabe�a fazer algo semelhante, mas nunca chegara a tanto. Um dia talvez? Mas somente por uma boa causa.

Ali�s, era disso que tratava o livro que ela devorava � noite ("Hist�ria de O"), antes de ficar se virando na cama gemendo de calor. Ser� que ela era mesmo como Pauline/Anne/Dominique (tr�s nomes para uma s� mulher, que escreveu um livro traindo o grande segredo de toda mulher) afirma em seu livro que toda mulher �? Ou melhor, ser� que ela tamb�m queria o que nossa autora diz que toda mulher quer?

Imposs�vel. Muito vulgar. Mais do que isso: machista. Andr�ia resistira a ler o banal "50 Tons de Cinza" porque se tratava de um best-seller e pessoas inteligentes n�o leem best-sellers.

Mas mais do que isso. "50 Tons" se tratava de um livro para mulheres sem vida sexual real, sufocadas por casamentos e filhos por d�cadas, que precisavam de est�mulos idiotas para se sentirem mulheres.

Ela, Andr�ia, do alto de sua beleza e intelig�ncia (ainda que chegando �quela idade na qual toda certeza vira quase certeza) sabia que n�o precisava de est�mulos assim. Sua vida sexual era como tudo mais em sua vida: resultado de ser uma mulher dona de si mesma.

A hist�ria com seu antigo chefe (n�o vamos voltar a ela agora) passara, gra�as a Deus. Nunca mais se deixaria levar pelo desejo de usar saias justas diante de um homem com poder. Que banal que ela foi ao desejar um homem mais velho e rico.

E qual era essa verdade horr�vel sobre seu desejo, desejo de toda mulher, segundo nossa autora traidora?

Paci�ncia, cara leitora e caro leitor. A paci�ncia � uma virtude necess�ria quando lidamos com pessoas acima da m�dia, porque elas facilmente nos fazem perder a paci�ncia.

Ser� que ela, Andr�ia, queria mesmo, no fundo do seu cora��o, que seu amante (quando tivesse um, por enquanto achava os homens todos uns frouxos) trouxesse um chicote quando a encontrasse?

A trai��o de Pauline/Anne/Dominique era justamente esta: ela contara que toda mulher gosta de ser submetida. Mas Andr�ia era inteligente e a autora tamb�m. A quest�o aqui n�o era o universal "toda mulher tal e tal", mas sim a pergunta: a quem ela se submeteria com gosto? Medo...

ponde.folha@uol.com.br


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