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Ilustrada

M�nica Bergamo

Bandeira branca

A psic�loga Betty Milan lan�a livro endere�ado ao filho quando os dois romperam; depois da briga, ele diz n�o dar mais "tanta import�ncia" ao que a m�e fala

"Menino, vai deixar seu cabelo assim? Arruma ele, voc� vai sair na foto!", comenta Betty Milan, 68, m�dica e psic�loga, autora de duas dezenas de livros, que fez an�lise com Jacques Lacan e vivenciou os ideais de Maio de 68 em Paris.

"O cabelo � meu, m�e", responde secamente Mathias Mangin, 30, cineasta que se refere aos pais como um casal de extravagantes', faz terapia lacaniana e acaba de rodar um document�rio sobre a av� dona Rosa, de 95 anos.

Esse � apenas o primeiro atrito na conversa entre m�e e filho que se desenrolou no confort�vel apartamento da fam�lia, em um pr�dio modernista assinado pelo arquiteto Bottin na regi�o da Paulista, em SP, com vista para o jardim desenhado por Burle Marx. Betty e Mathias o dividem quando calha de os dois estarem por aqui.

O outro apartamento deles fica no bairro de Marais, em Paris. Betty passa seis meses por ano na Fran�a, e seis no Brasil. Mathias estudou em Paris e agora pensa em se fixar em SP com a namorada francesa, doutoranda em direito. Ele se define franco-brasileiro --"estrangeiro l�, estrangeiro c�".

Os dois recebem o rep�rter Morris Kachani para falar sobre "Carta ao Filho" (editora Record), que ser� lan�ado amanh�. � uma ep�stola de Betty a Mathias, escrita no limiar de uma ruptura entre ambos no ano passado que durou seis meses (eles n�o concordam sobre o tempo), quando o filho deixou o apartamento paulistano sem dar not�cia inicialmente.

Betty decidiu lhe escrever. N�o tinha a inten��o de publicar o texto. "Foi uma forma de me aproximar dele."

Revisitou sua pr�pria hist�ria. As origens �rabes da fam�lia, o encontro com o franc�s Alain Mangin, futuro marido e pai de Mathias, que lhe sussurrou "proibido proibir" no primeiro encontro. E as muitas amizades que cultivou com pensadores brasileiros de todas as latitudes, de Carlito Maia a Gilberto Freyre.

A ruptura "foi algo que cresceu ao longo dos anos. Faltava ar. Ela n�o tinha limites. Todo dia me chamava para almo�ar. Se eu n�o podia, ligava para o celular do meu s�cio", diz Mathias.

Betty teoriza: "H� uma quest�o de limites quanto � separa��o entre o p�blico e o privado nas fam�lias semitas. Hoje sou mais contida e cautelosa. J� n�o brigamos por um sapato deixado na sala".

Mathias conclui: "Depois do rompimento, aprendi a n�o dar tanta import�ncia ao que minha m�e fala".

Em um aposento cont�guo � sala funcionava o consult�rio de Betty, desativado "depois que o Mathias se revoltou". "Eu j� n�o clinicava regularmente, e acabei decidindo mudar a sala. Pela primeira vez entrou um sof�, algo que n�o fazia parte de meu ide�rio. Para mim, o sof� era um s�mbolo de acomoda��o."

As mulheres que fizeram a revolu��o sexual se tornaram m�es opressoras? "Grandes intelectuais com quem convivi tiveram rela��es desastrosas com os filhos", diz Betty. Para ela, a nova gera��o recebeu a liberdade de m�o beijada. "N�o h� mais obriga��es, n�o h� mais moral para isso ou aquilo."

Mathias � cr�tico: "Maio de 68 precisava ter acontecido. Mas, pelo menos na Fran�a, produziu excessos".

"Tipo?", pergunta a m�e. O filho responde: "Algo n�o andou bem: foi o fim da fam�lia. A �nica entidade capaz de preservar um relacionamento acabou sendo implodida. Foram bem obsessivos com o sexo mas se esqueceram de falar sobre o amor".

Os pais exigiam desempenho exemplar de Mathias na escola. "Foi dif�cil para uma crian�a. N�o sabia bem onde me situar", diz ele. No Natal, ganhava livros em vez dos desejados brinquedos que amigos recebiam de presente.

No livro, Betty se diz adepta da �tica da libertinagem, assim como seu marido. Viveu a quebra de paradigmas da revolu��o sexual e manteve por sete anos um tri�ngulo amoroso durante o casamento. "Vivia uma rela��o nas ruas e outra em casa."

"A �tica da libertinagem � a �tica do pensamento livre", afirma. "O pai sabia e sofria, mas nunca tentou impedir. � que, quando a gente tem uma abertura, n�o imagina que o outro vai se envolver em uma liga��o duradoura." Achava que o filho n�o sabia de nada. "Um dia ele abriu a porta e est�vamos os dois. Descobri que era um segredo de polichinelo --os filhos sempre est�o a par do que acontece."

"S� que eu n�o estava nem a�. Estava mais ocupado com a morte de meu pai, dois anos antes", acrescenta Mathias. Alain Mangin morreu em 2005, de c�ncer. Foi um aut�ntico fl�neur --viajou o mundo, dirigiu um cassino na C�te d'Azur, vendeu a��es e a partir de um certo momento decidiu viver de rendas.

Betty e Oswald (� esse o pseud�nimo do amante no livro) namoram at� hoje. Mathias voltou ao apartamento da m�e enquanto aguarda a chegada da namorada francesa ao Brasil. Ele diz ter gostado do livro. "Pela sinceridade, pela honestidade do relato. Mas considero-o biogr�fico e em parte ficcional."

M�e e filho se reaproximaram quando Mathias decidiu retomar a an�lise lacaniana. Betty havia ligado para um colega seu, que topara atender o filho. A namorada de Mathias o encorajou.

"Percebi que tinha uma tend�ncia em culpar meus pais excessivamente."

Reencontraram-se num almo�o na casa da av�. "Fiz de conta que nada havia acontecido. M�e precisa saber fazer de conta", diz ela.

"Com este livro estou quebrando dois tabus: a m�e n�o fala dos seus sentimentos com o filho", afirma Betty. Mathias interv�m: "E muito menos dos seus erros".

O outro tabu � a proibi��o do analista de falar em p�blico sobre si mesmo. "A meu ver, o analista n�o deve se expor numa sess�o de psican�lise, mas fora dela suas ideias podem ser muito �teis."

Betty encerra dizendo que "� preciso desculpabilizar a m�e. Chegou a hora de homem e mulher dividirem tarefas. E � preciso descriminalizar o adult�rio". Mathias diz que n�o pretende ser infiel.

Cantarolando "Give Peace a Chance", dos Beatles, ela se despede do filho.


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