São Paulo, segunda-feira, 31 de dezembro de 2001

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"FRANCISCO JULIÃO - LUTA, PAIXÃO E MORTE DE UM AGITADOR"

Filho da casa-grande foi líder sem-terra

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Comparado no Nordeste a Joaquim Nabuco, burguês branco que saiu em defesa intransigente da abolição dos escravos, o líder político Francisco Julião (1915-99) largou a casa-grande, seu berço, para ser o primeiro líder político em defesa da reforma agrária -"na lei ou na marra", como pregava- no país.
Julião fundou, na segunda metade dos anos 50, na oligárquica zona canavieira de Pernambuco, as Ligas Camponesas, espécie de MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) da época. Foi um escândalo. A saga do homem acaba de sair em livro, com reportagem substanciosa e correções de erros que já haviam tomado ares de história oficial.
Lançado no Recife, em coleção da Assembléia Legislativa sobre parlamentares ilustres, "Francisco Julião - Luta, Paixão e Morte de um Agitador" é de autoria do jornalista Vandeck Santiago, 39, ex-repórter da Agência Folha.
O livro mostra a assombração que representava o líder dos camponeses para a oligarquia brasileira e como deixou de orelha em pé o presidente norte-americano John Kennedy. Reportagem de capa do "The New York Times", de 31 de outubro de 60, assinada por Tad Szulc (autor de recentes biografias de Fidel Castro e João Paulo II) revelava esse temor.
A revolução que acabara de ser feita em Cuba, em 59, ajudava a criar o pânico. O medo era que chegassem por aqui os mesmos ventos do Caribe, a partir da experiência de Pernambuco, com Julião e seus agitadores do campo.
Em 1� de novembro de 60, o mesmo Szulc, nesse embalo, cravava a seguinte manchete: "Marxistas estão organizando os camponeses no Brasil".
Com foices, enxadas e facões, as "Ligas Camponesas" revelavam ao cotidiano das grandes cidades, como anota Santiago, uma classe até então "invisível". Pouco depois, as marchas ocupavam o noticiário policial dos jornais, espaço reservado aos "desordeiros".
Quando iniciou a formação das ligas, os trabalhadores do campo eram tratados, no discurso oficial de políticos e na imprensa, como "rurícolas".
Julião passou a adotar o termo camponês, o que era tido como uma palavra com tintas esquerdistas, quase banida.
O líder político, deputado estadual e federal, cassado e exilado em 64, tinha um zelo e tanto pela linguagem a ser utilizada pelo movimento que comandava. "Antes da luta pela desapropriação de terras, cuidou de desapropriar os substantivos", diz o autor da sua biografia.
Advogado de causas rejeitadas na época, como a das prostitutas perseguidas no Recife pela Delegacia de Costumes, Julião foi também um contista que mereceu elogios de gente do ramo, como Gilberto Freyre, por exemplo.
O homem que agitou pela primeira vez o campo no Brasil morreu aos 84 anos, de infarto, na penúria, esquecido, na cidade mexicana de Tepoztlán.
Três anos antes, havia tentado, em uma melancólica aliança com usineiros e latifundiários de Pernambuco (seus ex-inimigos), a eleição para a Câmara dos Deputados, pelo PDT. Obteve menos de 4.000 votos. Desgostoso, rumou para o México, queria esquecer o personagem que foi.


FRANCISCO JULIÃO - LUTA, PAIXÃO E MORTE DE UM AGITADOR. De: Vandeck Santiago. Lançamento: Assembléia Legislativa de Pernambuco, 201 págs. Quanto: distribuição gratuita (pedidos para Departamento de Imprensa da Assembléia Legislativa de Pernambuco, rua da Aurora, 631, Cep 50050-010, Recife - PE ou pelo e-mail trumbo@uol.com.br)



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